quarta-feira, dezembro 26, 2018

Final de 2018



 Diz-se que uma imagem fala mais do que mil palavras. Resta encontrar uma imagem que diga isso. O que falar então de certas frases de fim de ano? O futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, disparou: “Tem que meter a faca no Sistema S”. O empresariado presente esquivou-se. Guedes enterrou o punhal: “Como você pode falar em cortar isso e aquilo e não cortar o Sistema S? Tem que meter a faca no Sistema S também. Vocês estão achando que a CUT perde o sindicato e aqui fica tudo igual”. Diante do horror nos olhos dos amigos, tentou aliviar: “Acho que tem que cortar pouco para não doer muito”. Já o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) apresentou projeto de lei propondo que alunos de universidades públicas sejam submetidos a exames toxológicos todos anos antes da matrícula.
Em caso de aprovação, não deveria valer o mesmo para deputados e senadores? Não caberia também um teste de QI para eleitos? Não confundir QI com o popular Quem Indica. Mundo curioso. O agora diplomado senador Flávio Bolsonaro, pressionado por repórteres sobre funcionários do seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que tinham outro emprego em horário de expediente, saiu-se com esta: “Todo mundo trabalhava. Aqui não é quartel. Nada impede de a pessoa ter uma outra atividade. Sem problema nenhum. Em quartel é que se bate ponto. Entra tal hora, sai tal hora”. Será que o primeiro filho nunca visitou uma empresa?
E esta do site do Ministério Público do Rio Grande do Sul em matéria sobre condenação de um estudante de medicina por estupro virtual: “Esperar Zero Hora dar”. Alguém se apressou e disparou a publicação antes do combinado sem tirar o aviso comprometedor. O que pensar? Que o MP tem seus bruxinhos como se diz no futebol? Deve ter sido o estagiário. Só pode. O presidente eleito Jair Bolsonaro abalou os cursos de antropologia com esta afirmação: “O índio quer ser o que nós somos, o índio quer o que nós queremos”. Nós, alguns de nós, queremos o que eles têm no solo e no subsolo. O general Santos Cruz, que será ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, sacudiu quarteis falando da Previdência: “Têm categorias que precisam ceder alguma coisa, caso do Judiciário, do Ministério Público, de todo o funcionalismo público. E aí entram os militares no meio. A idade de aposentadoria por exemplo tem que ser mexida”. Se o general falou…
Até José Dirceu resolveu fazer frases. Disse. “Vamos deixar o Bolsonaro sentar na cadeira. Ela queima”. O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, general Richard Nunes, declarou há alguns dias que já se sabe quem matou Marielle e Anderson. Só faltam as provas. Parece que algumas sumiram. Ele tranquilizou: “A polícia não é sequer é o pior problema. Hoje temos presos no Rio autoridades de todos os poderes e todos os escalões. A corrupção se alastrou de maneira completa. Seria até estranho que a polícia não estivesse envolvida nisso”. É tanta frase incrível que o humor bate à porta. Sorria, você está sendo gozado.JM

sábado, dezembro 22, 2018

Cheiro de laranjal!


Era uma vez um lugar tranquilo onde nada acontecia.
Até que surgiu algo inusitado, digno de romance de realismo fantástico. Conto o que apurei. De longe, parecia um laranjal. Tinha cheiro e cor de laranjal. Mas, como qualquer um sabe, é difícil saber se um laranjal é um laranjal. Depende do ponto de vista. O laranjal do vizinho quase nunca deixa dúvida: é laranjal. Já o da gente sempre provoca incerteza. A situação despertou a atenção de todo mundo: seria ou não um laranjal? A bolsa de apostas de Londres explodiu. Mais de 70% dos jogadores apostavam em laranjal. Ganharia uma fortuna quem apostasse no contrário. Havia quem tivesse certeza de que era um laranjal, mas sustentasse o oposto por questões afetivas e até ideológicas. É incrível como pode haver ideologia em tudo. Até em laranjal. Cautelosos perguntavam: o que é mesmo um laranjal?
A resposta vinha com prudência: um conjunto de laranjeiras. Começava a polêmica: de laranjeiras ou de laranjas? O dono do suposto laranjal de nada sabia. Ou dizia não saber. De onde viera aquele laranjal? Que laranjal? Quem garante que é um laranjal? Que história é essa de laranjal? No meio da confusão, sempre havia alguém para perguntar de modo brusco:
– Quem plantou esse laranjal?
O cara tinha sumido. Prometia aparecer com uma explicação plausível que, obviamente, provaria não ser o laranjal um laranjal. Nem tudo o que é reluz é ouro. Nem todo amarelo é laranja. A história arrastava-se.
A cada dia apareciam novas informações que pareciam confirmar que era mesmo um laranjal.
Apesar disso, ninguém se atrevia a gritar como num desenho:
– Madeira!
O que faz um laranjal ser um laranjal e não outra coisa? A natureza do fenômeno. Quando se espreme, sai suco. Fica o bagaço. Ao longo do tempo, vai pingando. Mas pinga com método, periodicidade, regularidade, padrão. Um aperta, outro recolhe, um terceiro suga. É algo coordenado como uma linha de montagem. Nada se perde. Tudo se aproveita. A cada um conforme as suas possibilidades e responsabilidades. Uma das características do laranjal é a ubiquidade. Palavra difícil? É a capacidade de estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. No exterior e no interior. Longe e perto. Fazendo, não fazendo, desfazendo e refazendo.
Já disse que de longe parecia um laranjal. De perto, também. Mesmo assim seria precipitado tirar conclusões. Em se tratando de laranjal, nunca se deve prejulgar. A complexidade é tamanha que pode induzir a erro. Já se começava a citar Gabriel García Márquez para falar da coisa. Sem a menor criatividade, jornais levianos falavam em “crônica de um laranjal denunciado”. Todo dia havia laranja nova, madura ou verdinha, chupada, de umbigo, lima, da mesma família, de outros tipos, uma loucura. Parte da população incrivelmente parecia não ver o laranjal. Interpelada, regia agressivamente falando de outros laranjais. Um ingênuo ficava perguntando:
– Um laranjal encobre o outro?
Foi assim. O laranjal estava lá. Mas não se sabia se era laranjal.
O laranjeiro – ou seria o laranja? – não estava maduro para aparecer.JM