quinta-feira, novembro 24, 2016

Inimigos dos EUA!


Olhar a vida pelo extremo ensina alguma coisa. Talvez a limitação do ponto de vista. Julian Assange, o homem do wikileaks, que vive na embaixada do Equador, em Londres, e Edward Snowden, o jovem de 29 anos que revelou o big brother real dos Estados Unidos, são atualmente dois dos maiores inimigos do poder americano. Snowden virou filme. Um longa dirigido por Oliver Stone. Um filme de Hollywood: o bem e o mal estão clara e didaticamente encarnados. A mensagem é cristalina: tudo o que fazemos na internet cai na malha fina da espionagem americana. A câmara de cada computador serve também para que sejamos vigiados. Não por acaso Mark Zuckerberg, criador do facebook, cobre as suas com adesivos. O mesmo faz Snowden na história contada por Oliver Stone.
Assange está encurralado no centro do mundo. É acusado de estupro na Suécia. Snowden vive na Rússia com a mulher. A amizade entre Vladimir Putin e Donald Trump poderá significar um fim de linha para ele. Os americanos não parecem inclinados a descansar enquanto não botarem as mãos em cima dos dois homens que revelaram ao mundo os seus métodos mais sujos de espionagem de todo mundo, de presidentes de nações a pessoas comuns. Snowden entrou em crise existencial ao perceber que estava a serviço de uma arapongagem sem limites. Caiu fora levando os segredos mais escabrosos dos donos do mundo num dispositivo do tamanho de uma unha.
O filme de Stone é chato, longo, detalhado demais, sonolento. Mesmo assim, diz-se que é o seu melhor desde muito tempo e não deixa de ter qualidades para um sábado de tédio ou de angústia. A moral da história, contudo, tira o sono de qualquer um: ninguém está protegido do olhar dos espiões. Barack Obama tomou medidas para proteger a privacidade dos cidadãos americanos depois das revelações de Snowden. Alguém acredita realmente que agora não é mais possível meter o olho em nossas vidas? A única maneira de escapar do controle é nada a ter a esconder. Parece que isso não existe. Stone nos convence de que todos nós, mesmo sem o saber, escondemos algo. Às vezes, tão bem que nem nós mesmos sabemos disso. Sei que escondo alguma coisa. Ainda vou descobrir o que é.
Esse segredo que escondo de mim ou que se esconde mim me domina nas tardes de melancolia. O que será?
Cada um com seus crimes. Al Capone pagou por sonegação de impostos. No capitalismo, o maior crime é sempre contra o patrimônio. Se bem que para certos capitalistas lesar o Estado deixando de pagar impostos é ato de heroísmo. A CIA tem vasta experiência na invenção de crimes menores para acabar com quem cometeu crimes maiores, mas escorregadios. O maior crime nos Estados Unidos é a revelação dos crimes dos EUA.
Nada contra os Estados Unidos, país de grandes belezas e de grandes feiuras. Como todos.
A internet é que ainda vai dar muito pano para manga: como ter direito ao esquecimento numa rede que parece um cemitério de sites naufragados? Como lidar com o que Umberto Eco caracterizou como tribuna livre da imbecilidade? O que fazer dos rastros deixados? Como impedir a espionagem pelos gênios que inventam as ferramentas e obviamente sabem como manipulá-las? Como acreditar que o mágico não terá controle sobre o seu truque? Um dos personagem do filme sobre Snowden é o jornalista Glenn Greenwald, que vive no Rio. Glenn ajudou a revelar ao mundo os segredos de Snowden. Ajudou também a mostrar ao planeta os subterrâneos do golpe contra Dilma. Neste caso, suas revelações não surtiram efeito. O sistema estava criptografado. Como diria o poeta, há golpes tão duros na vida, eu não? Os maiores golpes podem ser aqueles que se recusam a se aceitar como tal.
No cinema a vida sempre tem uma saída.
Nem sempre a melhor!

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