quarta-feira, agosto 29, 2018

Visita acadêmica a Porto Alegre



      O programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS tem um acordo de cooperação com a Universidade Paul Valéry, Montpellier III. Todo ano um de nós vai para a França como professor convidado. Nossos colegas franceses também nos visitam regularmente para ministrar seminários ou dar palestras em nossos eventos. Compartilhamos pesquisas e publicações. Fazemos intercâmbio de mestrandos e doutorandos. Na semana passada, recebemos a visita do reitor, Patrick Gilli, e do vice-reitor, Philippe Joron, de Montpellier III. Tivemos várias atividades, do encontro como o reitor da PUCRS, Evilázio Teixeira, a uma reunião com docentes da Escola de Humanidades, até uma boa mesa de trabalho na Escola de Comunicação.
A Universidade de Montpellier foi fundada no século XIII. Depois de 1968, com a reforma resultante da grande agitação cultural e social daquela época, foi dividida em três partes. Atualmente, embora Paul Valéry continue a ser designada como Montpellier III, são apenas duas partes. No total, 71 mil alunos. Só Paul Valéry, de ciências humanas, tem 21 mil estudantes. Andamos com nossos visitantes por toda parte em Porto Alegre. Fomos jantar no Barranco e no Galpão Crioulo. Fechamos com um almoço no Gambrinus, no Mercado Público. A picanha e a tainha recheada fizeram sucesso absoluto. A efervescência da Cidade Baixa chamou a atenção. O Tecnopuc impressionou. O frio também. E o rodízio.
O sociólogo Philippe Joron já conhecia bem Porto Alegre. Gilli, historiador, especialista em Idade Média italiana, estava na sua primeira vez na capital gaúcha. De que falamos em todas essas andanças? De educação, pesquisa, tecnologia, cultura, especificidades nacionais, cortes de carne, universidades públicas e privadas, futebol (apresentei Romildo Bolzan, no Barranco, a Gilli) e política. Paul Valéry está apostando num projeto chamado “Humanidades digitais”. A ideia é explorar ao máximo as tecnologias a serviço das pessoas e das pesquisas em ciências humanas. Vivemos uma transição. Para onde vamos?
Antonio Hohlfeldt, nosso colega na Famecos e diretor do teatro São Pedro, nunca deixa de mostrar um pedaço do interior do Rio Grande do Sul para as visitas. Levou Gilli e Joron para ver um alambique em Ivoti. A chuva impediu que o passeio se alastrasse por Nova Petrópolis e talvez, num arroubo, pelos vinhedos e recantos da Serra. Na próxima, levo todo mundo a Palomas e, se duvidar, invadimos o Uruguai. Porto Alegre tem lugares que encantam estrangeiros e são ignorados pelos nativos. Por exemplo, a capela positivista da avenida João Pessoa.
Se algo de ruim acontecer com o destino do país, que ninguém está livre de uma derrapagem, hesito entre me exilar em Palomas, fundindo-me com a natureza e com o passado, ou fugir para Montpellier em busca do futuro. Não cheguei a tratar desta possibilidade com os nossos amigos, mas não posso descartá-la. Tem muita gente se mandando para Miami. Eu prefiro o sul da França. Tem sol, liberdade e história. Edgar Morin, aos 97 anos de idade, mudou-se para lá. É um bom sinal.JM

terça-feira, agosto 21, 2018

Trotskista


Se a última pesquisa do Ibope estiver certa, o que quase nunca acontece, O Rio Grande do Sul poderá ser considerado a meca mundial do trotskismo. Júlio Flores (PSTU) tem 4% das intenções de voto. Roberto Robaina (PSOL) chega a 2%. Juntos atingem incríveis 6%, o mesmo escore do pedetista Jairo Jorge. Como pode o russo Trotsky empatar em influência nos pampas gaúchos com Getúlio Vargas, João Goulart, Leonel Brizola e Alberto Pasqualini? Porto Alegre já era a capital mundial com o maior número de psicanalistas lacanianos por habitante.
Qual a relação entre esses dois aspectos? Não tenho a menor ideia. Deve existir certamente uma explicação escondida no inconsciente de cada um para esse duplo fenômeno. O Ibope ainda mostra José Ivo Sartori na liderança. Se na primeira eleição Sartori foi acusado de não apresentar programa de governo, agora, ao contrário, ele é bem claro: vai seguir o que vem fazendo. Em segundo lugar aparecem o tucano Eduardo Leite e o petista Miguel Rossetto. A hipótese de a esquerda ficar fora do segundo turno não está descartada. Um observador externo, depois de ouvir os discursos sobre interesse público, pode exclamar com paradoxal ingenuidade lúcida:
– Por que dois petistas ou dois esquerdistas do mesmo berço, Jairo Jorge e Miguel Rossetto, concorrem por partidos diferentes? Não seria melhor eles formarem uma única chapa que somasse e não dividisse?
Política é uma deliciosa mistura entre lógica de carreira individual, estratégia partidária e administração da coisa pública. Em 2016, os funcionários da prefeitura de Porto Alegre não quiseram votar, no segundo turno, em Sebastião Melo (PMDB). Ajudaram com isso a eleger aquele que já se anunciava como o pior adversário que poderiam encontrar, Nelson Marchezan Júnior. Um arrependido diz ter aprendido:
– No segundo turno, quando infelizmente não se tem o nosso candidato, se vota no menos pior para o interesse da gente.
Outro gato escaldado pretende se antecipar em tempos bicudos:
– Primeiro é preciso chegar ao segundo turno.
Segundo o Ibope, Lula lidera entre os gaúchos com 32%. Bolsonaro aparece em segundo lugar com 20%. Mas se Lula sai da corrida, como diz a piada por estar preso em outro compromisso, o capitão que promete tirar o Brasil da ONU comunista assume a dianteira com 23%. Conclusão: o eleitor é lulista. Não é petista. Em 1945, Eurico Gaspar Dutra só ganhou a eleição depois que o defenestrado Getúlio Vargas pronunciou o agora famoso “ele disse”. O que ele disse mesmo? Mandou votar em Dutra. Lula não terá o mesmo poder de transferência de votos? Não é só no Nordeste, se o Ibope não estiver mais uma vez errando, que Lula, mesmo encarcerado, seduz o eleitor. Por que mesmo? É bom responder.
Se balanços de governos e dados do IBGE não conseguirem explicar essa preferência, dada a subjetividade que caracteriza qualquer número, só um bom psicanalista talvez consiga ajudar o paciente, digo, o eleitor, a entender as suas escolhas. Será que os desembargadores do TRF-4 ficam aborrecidos? Somos um Estado cheio de mistérios. Bah!JM

quinta-feira, agosto 16, 2018

Homens de bem?


 João é um homem de bem.
É assim que ele se apresenta. Em cada conversa que tem, sempre encontra um jeito de se posicionar:
– Sou um homem de bem.
Nessa condição, João é um homem de convicções. Não leva desaforo para casa. Se tem debate, está dentro. De cara, mostra as suas armas:
– Bandido bom é bandido morto.
Pensar o contrário, do seu ponto de vista de homem de bem, é defender marginal, alimentar o crime e favorecer a impunidade.
– Tá com pena de bandido? Leva pra casa – diz todo dia.
Informado sobre os grandes temas que afligem a nação, João, como homem de bem, tem restrições às chamadas políticas sociais. Detona:
– Bolsa família é pra quem não gosta de trabalhar e busca uma teta pra mamar. Gente de bem quer emprego, não quer esmola de governo.
Liberal em economia e conservador em comportamento, João não se deixa impressionar por modernidades. Na sua cartilha tudo é claro:
– Politicamente correto é mimimi. Tomei muita surra do meu pai e não fiquei traumatizado. Sou um homem de bem por ter sido bem educado.
Se tem uma coisa que João não suporta é o que chama de vitimismo. Fica uma fera. Perde a compostura e fala até palavrão:
– Comigo casamento é homem com mulher e acabou, p… É uma lei da natureza. Fora disso é falta de vergonha. Qual o problema de chamar negão de negão e veado de veado? Não tira pedaço. Não sou racista nem homofóbico. Muito menos machista. Tenho amigos negros, minha mulher dá as cartas lá em casa e não saio ofendendo gays de graça. Mas também eles não precisam ficar esfregando na minha cara o que fazem.
Homem de bem, João se considera ponderado, nem de esquerda nem de direita, termos que considera ultrapassados, ferrenho crítico da corrupção, defensor do Estado mínimo, da redução da maioridade penal para 12 anos e da pena da morte para crimes hediondos. Segundo ele, cadeia não pode ser hotel. Condenado, afirma, tem mais é de sofrer.
– Se não quer viver em masmorra, é só andar na linha – diz.
Fã da ditadura militar, que chama de revolução redentora, João vem dedicando seu tempo a combater a ideologia de gênero e a defender a escola sem partido. Ele nunca teme polêmicas. Divide todas as bolas:
– Estão debochando dessa história de URSAL, não é? Era o que os idiotas de esquerdas queriam implantar. A URSAL é uma grande ameaça à liberdade, a nova cara do comunismo. Falam em ditadura no Brasil. Quando isso aconteceu? Eu não vi. Só subversivo é que foi preso.
O ídolo de João é Donald Trump, que considera a maior vítima atual do esquerdismo da mídia internacional, essa imprensa dominada por vermelhos ou melancias – verdes por fora e vermelhos por dentro. O que João mais odeia na vida? Ideologias. Ele se vê como um pragmático, neutro. Normalmente João não tem dúvidas sobre coisa alguma. Ter certezas faz parte da sua personalidade sem fissuras. Só fracos duvidam. Nos últimos dias, porém, sente-se inquieto, dividido. Não sabe mais se vota em Jair Bolsonaro ou se aposta no Cabo Daciolo.
– Sou um homem de bem. Quero o melhor para o Brasil – explica. JM

quinta-feira, agosto 09, 2018

Gaúcho (a) ?


  Que o Rio Grande do Sul gosta de política ninguém duvida. Produzimos o maior de todos até hoje: Getúlio Vargas. O trabalhismo gaúcho deu ao Brasil também João Goulart e Leonel Brizola. Durante a ditadura midiático-civil-militar, entregamos três ditadores genuinamente gaúchos e demos formação a outro. Em 2018, poderemos oferecer mais um vice-presidente da República ao país. Ana Amélia Lemos, General Mourão e Germano Rigotto já estão na disputa.
Manuela será vice de Lula ou de  Fernando Haddad.
Ana Amélia tem grandes chances de ganhar a sua aposta. Rigotto concorre na chapa do azarão Henrique Meirelles. Alckmin e Ana Amélia terão 44% do tempo de propaganda de rádio e televisão: cinco minutos trinta e dois segundos por bloco. Meirelles e Rigotto ficarão com 15% do tempo disponível, um minuto e cinquenta e quatro segundos, quase o mesmo de Lula, ou do seu candidato, que terá dois minutos e cinco segundos. Jair Bolsonaro contará com sete segundos no bloco principal e uma inserção a cada três dias. Tempo de rádio e tevê conta muito. Dizer o contrário é brincar com a inteligência alheia. Partidos fazem qualquer aliança justamente para aumentar o espaço de propaganda.
O que levou o Rio Grande do Sul a se tornar o Estado dos vices? Vários componentes: a biografia dos convidados feita de honestidade, visibilidade e consistência eleitoral. Homens querem mulheres para atender o quesito gênero. Candidatos do Sudeste tendem a sonhar com os vices do Nordeste. O Sul tornou-se, porém, atraente na medida em que é fundamental neutralizar a força de Bolsonaro na região. Rigotto já tinha desistido de participar do jogo eleitoral deste ano. Ensaiou concorrer ao Senado. Desistiu quando não sentiu firmeza no MDB. Queria condições generosas para ganhar. Ser vice de Meirelles reacendeu o seu apetite pela corrida eleitoral. Vai passar dois meses na vitrine.
Terá, claro, de ajudar Meirelles a defender o legado do esquecido Michel Temer (onde anda?), o mais impopular presidente da história do Brasil. Ana Amélia enfrentará a ira dos eleitores do seu partido, o PP, apaixonados por Bolsonaro. Nas redes sociais, a senadora vem sendo trucidada pelos adeptos do candidato do PSL. Já foi chamada de traidora. No segundo turno, salvo se der Bolsonaro versus Alckmin, estarão todos no mesmo barco. Imaginemos um cenário: Haddad contra Bolsonaro no segundo turno. Com quem ficará Germano Rigotto? Ana Amélia não parece ter opção. Ou será chamada de duplamente traidora. Seja como for, o Rio Grande do Sul parece bem posicionado.
Manuela precisará de paciência. Alguns dias podem parecer anos. Lula escolheu a gaúcha como vice dele ou do seu indicado. Na primeira hipótese, legalmente improvável, Manuela entrará como favorita. Na segunda, vai para o jogo duro em condições de ganhar se a partida for contra Bolsonaro e Mourão. Poderemos ter Manuela versus Ana Amélia na decisão. No Brasil, vice assume. O ideal é que não conspire para isso. Com vice sempre há algo a Temer?JM