quinta-feira, agosto 16, 2018

Homens de bem?


 João é um homem de bem.
É assim que ele se apresenta. Em cada conversa que tem, sempre encontra um jeito de se posicionar:
– Sou um homem de bem.
Nessa condição, João é um homem de convicções. Não leva desaforo para casa. Se tem debate, está dentro. De cara, mostra as suas armas:
– Bandido bom é bandido morto.
Pensar o contrário, do seu ponto de vista de homem de bem, é defender marginal, alimentar o crime e favorecer a impunidade.
– Tá com pena de bandido? Leva pra casa – diz todo dia.
Informado sobre os grandes temas que afligem a nação, João, como homem de bem, tem restrições às chamadas políticas sociais. Detona:
– Bolsa família é pra quem não gosta de trabalhar e busca uma teta pra mamar. Gente de bem quer emprego, não quer esmola de governo.
Liberal em economia e conservador em comportamento, João não se deixa impressionar por modernidades. Na sua cartilha tudo é claro:
– Politicamente correto é mimimi. Tomei muita surra do meu pai e não fiquei traumatizado. Sou um homem de bem por ter sido bem educado.
Se tem uma coisa que João não suporta é o que chama de vitimismo. Fica uma fera. Perde a compostura e fala até palavrão:
– Comigo casamento é homem com mulher e acabou, p… É uma lei da natureza. Fora disso é falta de vergonha. Qual o problema de chamar negão de negão e veado de veado? Não tira pedaço. Não sou racista nem homofóbico. Muito menos machista. Tenho amigos negros, minha mulher dá as cartas lá em casa e não saio ofendendo gays de graça. Mas também eles não precisam ficar esfregando na minha cara o que fazem.
Homem de bem, João se considera ponderado, nem de esquerda nem de direita, termos que considera ultrapassados, ferrenho crítico da corrupção, defensor do Estado mínimo, da redução da maioridade penal para 12 anos e da pena da morte para crimes hediondos. Segundo ele, cadeia não pode ser hotel. Condenado, afirma, tem mais é de sofrer.
– Se não quer viver em masmorra, é só andar na linha – diz.
Fã da ditadura militar, que chama de revolução redentora, João vem dedicando seu tempo a combater a ideologia de gênero e a defender a escola sem partido. Ele nunca teme polêmicas. Divide todas as bolas:
– Estão debochando dessa história de URSAL, não é? Era o que os idiotas de esquerdas queriam implantar. A URSAL é uma grande ameaça à liberdade, a nova cara do comunismo. Falam em ditadura no Brasil. Quando isso aconteceu? Eu não vi. Só subversivo é que foi preso.
O ídolo de João é Donald Trump, que considera a maior vítima atual do esquerdismo da mídia internacional, essa imprensa dominada por vermelhos ou melancias – verdes por fora e vermelhos por dentro. O que João mais odeia na vida? Ideologias. Ele se vê como um pragmático, neutro. Normalmente João não tem dúvidas sobre coisa alguma. Ter certezas faz parte da sua personalidade sem fissuras. Só fracos duvidam. Nos últimos dias, porém, sente-se inquieto, dividido. Não sabe mais se vota em Jair Bolsonaro ou se aposta no Cabo Daciolo.
– Sou um homem de bem. Quero o melhor para o Brasil – explica. JM

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