Sete mil pessoas avançam pelo México em direção aos Estados Unidos. São desesperados da Guatemala, de El Salvador e de Honduras em busca da sobrevivência. Nada parece capaz de tirar-lhes o ânimo na caminhada. São movidos pela miséria. Como nada mais têm a perder, arriscam o que lhes resta: a pele. Os teóricos da globalização alardearam durante anos o fim do Estado-nação e a queda das fronteiras. Nem sempre disseram que isso deveria valer para as mercadorias. Não necessariamente para os seres humanos.
Guy Debord, autor do livro clássico “A sociedade do espetáculo”, advertira numa bela e triste fórmula: “O espetáculo não canta os homens e suas armas, mas as mercadorias e suas paixões”. A frase mais óbvia seria: “O espetáculo não canta os homens e suas paixões, mas as mercadorias e suas armas”. Certo é que, como no passado europeu, “hordas” avançam agora em direção ao império estadunidense. São os novos hunos, godos, burgúndios, alanos, suevos, vândalos, anglos, saxões, francos? Os bárbaros mudaram a
Europa e o mundo. O termo designava simplesmente quem era estrangeiro.
Europa e o mundo. O termo designava simplesmente quem era estrangeiro.
Estranho, estrangeiro, diferente, inferior. Essa cadeia falsamente lógica permeou imaginários ao longo dos séculos. Donald Trump pretende barrar os “novos bárbaros” com poderoso aparato militar. No twitter, o presidente dos Estados Unidos recorreu à sua tradicional retórica bélica: “É uma invasão do nosso país e nosso Exército estará esperando vocês!” Cinco mil soldados foram deslocados para a fronteira mexicana. Trump completou: “Muitos membros de gangues e algumas pessoas muito más estão na caravana rumo a nossa fronteira sul. Por favor, voltem, vocês não serão admitidos nos EUA a não ser que seja pelo processo legal”. Faz sentido.
O problema é que desesperado não podem esperar o processo legal que dificilmente lhes daria ganho de causa. O que fazer contra uma “invasão” de miseráveis capaz de marchar sem violência? É verdade que, quando atacados com bombas de gás lacrimogênio, os retirantes responderam com paus e pedras. Essa cena parece ser apenas o prenúncio de outras. Na Europa, africanos jogam-se ao mar, onde muitos perecem, em barcos precários na tentativa de aceder à costa italiana. A fome é um combustível poderoso.
De quem fogem esses migrantes que com certeza adorariam não sair de casa? De ditadores, de maus gestores, de corruptos, de políticos venais, de exploradores de todos os tipos e da falta de perspectiva. Como ficar sem futuro? A reação das potências é fechar suas portas. Que se virem. Esbarram em duas questões: o senso de humanidade – os Direitos Humanos – que cobra uma atitude; e impossibilidade cada vez mais concreta de frear os avanços desses “novos bárbaros” dispostos a morrer para quem sabe conseguir viver.
O que fará Donald Trump se novas “hordas” surgirem nos “portões” do império e não pararem diante do poderio militar à espera? E dizer que um dia um certo Francis Fukuyama anunciou o fim da história. Ela nunca acaba. Às vezes, move-se para trás. Outras, dá saltos imprevisíveis para a frente. JM