Precoce em quase tudo, o inglês John Stuart Mill (1806-1873) não passou a vida em férias.
Filho do filósofo escocês James Mill e afilhado do pensador do utilitarismo, o ainda hoje citado Jeremy Bentham, John foi educado para ser gênio. Na infância, leu os gregos antigos e os latinos. Brincava recitando Esopo e diálogos de Platão. O pai dele acreditava que a mente era uma página em branco a ser preenchida. Tratou de inscrever na cabeça do filho as ideias dos melhores pensadores da história. John tudo absorveu e suportou. Até que se rebelou, caiu em depressão e tomou rumo.
Rumo próprio. Para ganhar a vida, virou burocrata na Companhia Inglesa das índias Orientais. Era pouco para a sua enorme inteligência e cultura. Então, por força certamente de bons ventos, apaixonou-se por Harriet Taylor. Uma dessas paixões para a vida toda e em qualquer situação. Ela era linda, determinada, vanguardista, com um belo rosto oval britânico e culta. Havia, para a época, um inconveniente: era casada e tinha dois filhos. John foi paciente. Esperou 20 anos pela morte do marido da musa. Aí se casaram. Só desfrutaram de parcos sete anos de convivência. Ela morreu.
Intelectual até a medula, John Stuart Mill travou contato com o pai do positivismo, o francês Auguste Comte, que exerceria grande influência sobre os republicanos brasileiros como o gaúcho Júlio de Castilhos. Máquina de pensar, John pôs a sua inteligência privilegiada a serviço da felicidade da nação. De certo modo, não seria impertinente dizer que a grande questão da sua vida foi: como podemos ter uma nação feliz? Na busca dessa resposta, escreveu obras luminosas como “Princípios de economia política”, “Utilitarismo” e “Sobre a liberdade”. Defensor dos direitos das mulheres num tempo de machismo triunfante, publicou, com Harriet, “A sujeição das mulheres”. Eleito para o parlamento em 1865, defendeu o direito de voto às mulheres e direitos iguais aos dos homens para elas na esfera pública.
Uma sociedade feliz exige indivíduos felizes. Os princípios políticos da felicidade são a liberdade e a dignidade, que também pode ser chamada de justiça social. Se a igualdade total não existe, a desigualdade absoluta produz infelicidade. John Stuart Mill entrou para a história como um dos maiores pensadores do liberalismo político. A liberdade primeira para ele é a liberdade de expressão, que implica disposição para o confronto de ideias. Ponto e contraponto. Exposição permanente ao contraditório. Ele acreditava que mesmo os mais teimosos acabam modificados pela força dos argumentos opostos se estes forem irrefutáveis. Debater é um bem maior.
Princípio do dano – Racionalista, John Stuart Mill tinha convicções na força dos argumentos: “A principal vantagem da verdade consiste em que quando uma opinião é verdadeira, pode-se sufocá-la uma vez, duas vezes ou mais, mas ela sempre ressurge no corpo da história e acaba por se impor a uma época”. Durante muito tempo ele refletiu sobre um tópico: o que a sociedade tem direito de restringir na ação individual por meio do Estado? Ele chegou à resposta que se tornaria conhecida como “princípio do dano”. Só se pode impedir uma pessoa de fazer aquilo que causa dano a terceiros.
Um verdadeiro liberal não pode ser liberal em economia e restritivo em comportamento de adultos livres. Mill sustentava que o Estado, como instrumento da sociedade, não pode impedir alguém de fazer mal a si mesmo. Pode e deve tentar ajudá-lo. Não pode e não deve puni-lo. John Stuart Mill combatia a “tirania das maiorias” por crer que cada indivíduo, como uma planta, precisa de espaço para viver a sua especificidade. Como ser feliz num mundo que tolhe a liberdade do indivíduo em nome de preceitos coletivos subjetivos e variáveis? Ser feliz é antes de tudo conquistar o direito de ser o que se é ou quer ser se isso não causa dano objetivos a outros.
A felicidade, segundo Mill, não é feita de arrebatamentos constantes, que são raros como a paixão, mas de “muitos e variados prazeres” em “meio a uma existência constituída de poucas e transitórias dores”. O que mais impede a felicidade dos indivíduos e das suas sociedades? Simples: “A educação falida e os arranjos sociais falidos são os únicos obstáculos reais que impedem que isso esteja ao alcance de quase todos”. Educação falida é aquela que reproduz preconceitos e limita a diversidade que não produz danos aos demais. Arranjos sociais falidos são as instituições engessadas que sufocam o desabrochar dos desejos legítimos de cada um.
John Stuart Mill pregou a tolerância e a liberdade como pilares da melhor convivência possível entre diferentes. Uma nação feliz é aquela que facilita a maior realização possível dos desejos individuais e reduz ao máximo o sofrimento imposto pela restrição às liberdades de cada um. Na juventude, fui seguidor do anarquista alemão Max Stirner. Na idade da razão, meu livro de cabeceira é “Sobre a liberdade”, de John Stuart Mill. Eis um livro a ser lido em tempos de decisão sobre os destinos da nação.JM
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