terça-feira, janeiro 22, 2019

Juremir Machado da Silva

Guerra intelectual no Brasil

      Há pessoas que sentem arrepios quando ouvem ou leem a palavra intelectual. Surtam com citações. Acham tudo isso muito chato. Especialmente se forem ideias e intelectuais franceses. Nacionalidades não têm a menor importância quando se trata de pensamento. Se alguém diz que para Kierkegaard o que falta a nossa época é a paixão, não a reflexão, não é preciso conhecer a nacionalidade do filósofo para entender o que foi dito. Se a pessoa quiser mais informações, vai ao google. Ou aos livros. O saber não deve causar medo, inveja ou ressentimento. Não é uma agressão. Há uma batalha de ideias em curso. De um lado, os antiglobalistas. De outro lado, os que devem se defender por alguma razão teórica ou não.
É uma espécie de nova guerra entre “antigos” e “modernos”. Um dos intelectuais de referência dos novos conservadores é um velho conhecido dos místicos, esotéricos e tradicionalistas, o francês René Guénon (1886-1951). Guénon foi um ocultista fervoroso que se converteu ao islamismo e foi morar no Cairo em busca de uma atmosfera mística. A sua vasta obra tem três obsessões: desejo de metafísica, de transcendência, de transfiguração mística; ojeriza ao materialismo e ao individualismo modernos; atração por sabedorias tradicionais orientais. Para ele, existe uma verdade eterna que unifica as religiões, o que aparece na “escola perenialista”, na “filosofia perene”. O grande intelectual italiano Umberto Eco gastou, no seu monumental livro “Os limites da interpretação”, um capítulo para refutar ideias do homem. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, recomenda a leitura das obras tradicionalistas de René Guénon.
Outro discípulo de Guénon é Steve Bannon, marqueteiro ultraconservador de Donald Trump. Adeptos de entidades secretas e de mistérios espirituais, René Guénon deu-se por missão em certo momento “reconstruir uma elite espiritual para o Ocidente”. As suas ideias eram tão excêntricas que influenciaram até surrealistas. Um dos seus alvos foi a ciência moderna. O que valia para ele era o saber tradicional. Passou a vida lidando com símbolos, concepções do sagrado e rituais. Um dos seus livros mais famosos é “A crise do mundo moderno” no qual sustenta que as ciências modernas são vestígios destituídos de sentido das ciências tradicionais. O Renascimento teria sido o começo do caos, da quebra da hierarquia cultural que resultaria no vazio individualista da democracia.
Para o filósofo do conhecimento tradicional “uma ideia como a da ‘igualdade’, ou do ‘progresso’, ou como os outros ‘dogmas seculares’, que quase todos os nossos contemporâneos aceitam cegamente”, tem uma historicidade. Não surgiu espontaneamente. Ele prega o engajamento: “Consideramos, portanto, oportuno declarar isso ainda: há no mundo ocidental algumas indicações claras de um movimento que ainda não está claro, mas que pode e deve normalmente levar à reconstituição de uma elite intelectual. a menos que um cataclismo ocorra rápido demais para permitir que se desenvolva até o fim”. O movimento agora se pretende cristalino. A guerra é pelo controle das mentes, dos corações e dos bolsos.

sexta-feira, janeiro 18, 2019

Queiroz e a alfabetização


Eu entendo Flávio Bolsonaro.
Ele é filho do presidente da República.
Foi ao STF e pediu para barrar a investigação sobre Queiroz.
Onde se viu investigar um cara que está doente.
Dado que Fux mandou parar a investigação, contrariando decisão do próprio STF pela qual foro só vale para atos cometidos durante o mandato, vamos falar de outra coisa.  A ciência do STF não é exata. Depende do “paciente”.
Eu sou impaciente.
      Estamos em guerra. Por tudo. Daqui a pouco talvez seja com a Venezuela.
Guerra até pelos métodos de alfabetização.
É a grenalização das salas de aula. Ou o Fla-Flu. Ou o Ba-Vi.
A guerra nacional encontra suas formas e batalhas estaduais. Enfim. Construtivistas versus adeptos do método fônico? Os resultados têm sido de segunda divisão: 38 milhões de analfabetos funcionais (não chegam a entender um texto básico), 59ª posição, em 70, no ranking de leitura no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Qual é a causa? Eis o busílis, como dizia aquele personagem de um livro de Rubem Fonseca.
Para o novo secretário nacional de Alfabetização, Carlos Nadalim, indicado para o cargo pelo guru do regime, Olavo de Carvalho, o culpado é a ideologia. Segundo a BBC News Brasil, para Nadalim, que trabalhava numa escola infantil em Londrina, há “preocupação exagerada com a construção de uma sociedade igualitária”, ignorando-se “evidências científicas sobre como alfabetizar crianças”. Dono de um site de sucesso, “Como educar seus filhos”, adeptos da educação em casa, Nadalim aposta tudo no “método fônico” e culpa o construtivismo (o aluno é construtor ativo do conhecimento) e o uso das ideias de Paulo Freire pelo mau desempenho.
Nadalim garante que alfabetizar é questão técnica: fazer a criança identificar as letras com os sons da fala. Construtivistas reagiram. Afirmam que Nadalim confunde conceitos. Sustentam que a questão não é de método, mas de meios. Uma criança aprende melhor quando repete sons abstratos ou quando se envolve com aspectos concreto da sua realidade? Maria do Rosário Longo Mortatti, especialista no assunto, resumiu em estudo sobre o tema: “Como alfabetizar? Por onde começar? Pelos nomes das letras, pelos sons das letras, pelas sílabas, por palavras-chaves, por sentenças ou por histórias? Essas são as primeiras e mais urgentes perguntas feitas por aqueles cuja tarefa é o ensino inicial da leitura e escrita a crianças”. Foi adiante: “Como enfrentar as dificuldades tanto de nossas crianças em aprender a ler e escrever quanto de nossos professores em ensinar?” Mortatti analisa o livro “Alfabetização: método fônico”, de Alessandra e Fernando Capovilla, muito citados pelos seus defensores.
Conclusão: o método fônico no Brasil é aplicado desde o século XIX: “Embora os autores a anunciem como uma ‘boa-nova’, não se trata de uma proposta nem ‘nova’, nem ‘pioneira’, nem ‘solução científica efetiva’, com ‘demonstrada eficácia, cientificidade e atualidade’. A crítica mais dura a esse tipo de método é “a de que eles impedem que a criança apreenda o sentido do que se lhe oferece no momento inicial da aprendizagem da leitura”. A crise da alfabetização no Brasil, conforme Maria do Rosário Longo Mortatti, é antiga, anterior à prevalência do construtivismo.
Carlos Nadalim está de armas nas mãos: “Olavo de Carvalho já disse várias vezes, e eu concordo, diante daquilo que posso comprovar com meu método, que é preciso voltar ao método fônico de pré-alfabetização e alfabetização, e o Ricardo [Vélez Rodríguez] sabe disso. Então, se ele conseguir trabalhar essa questão, só isso já fará dele um herói”. Tá ok?
Eu entendo Flávio Bolsonaro.
Segundo um ministro do STF, em declaração à colunista Mônica Bergamo, Flávio assinou uma confissão de culpa ao recorrer ao Supremo. Pobre, menino, incompreendido. Ele só queria corrigir os rumos da justiça.Juremir Machado da Silva

sábado, janeiro 05, 2019

Discursos fortes, ideologias idem!



Cada ministro empossado de Jair Bolsonaro fez um discurso forte.
Os mais retumbantes certamente foram os de Sérgio Moro, Paulo Guedes e Ernesto Araújo.
Moro revelou-se confortável no terno de ministro da Justiça e da Segurança. Bradou: “Não deve haver portos seguros para criminosos e para o produto de seus crimes. O Brasil não será um porto seguro para criminosos e jamais, novamente, negará cooperação a quem solicitar por motivos político-partidários”. Mensagem passada e recebida.
O recado mais importante de Sérgio Moro possivelmente tenha sido este com endereço certo: “Não se combate a corrupção somente com investigações e condenações criminais eficazes. Elas são relevantes, pois não há combate eficaz à corrupção com impunidades e sem risco de punição para os criminosos. Mas elas não são suficientes. São necessárias políticas mais gerais contra a corrupção, leis que tornem o sistema de Justiça mais eficaz”. Uma fala para ressoar no Congresso Nacional e, antes do começo da nova legislatura, nos ouvidos de novos e velhos eleitos.
Paulo Guedes entrou em campo com a manchete definida: “O primeiro pilar é a reforma da previdência, o segundo são as privatizações aceleradas e o terceiro pilar é a simplificação, redução e eliminação de impostos”. O superministro da economia mirou nos alvos esperados: “A Previdência é uma fábrica de desigualdades. Quem legisla tem as maiores aposentadorias. Quem julga tem as maiores aposentadorias. O povo brasileiro, as menores”. Ninguém poderá acusá-lo de falta de foco. Guedes mostrou também que gosta de frases afiadas. Ao falar da legislação trabalhista, disparou: “O governo democrático vai inovar e abandonar a legislação fascista da carta del Lavoro”. Não faltou matéria para análise.
O novo ministro das Relações Exteriores, o gaúcho Ernesto Araújo, falou num tom com certeza inédito na pasta. Atacou o “globalismo”: “Aqueles que dizem que não existem homens e mulheres são os mesmo que pregam que os países não têm direito a guardar suas fronteiras, os mesmo que propagam que um feto humano é um amontado de células descartável. Os mesmos que dizem que a espécie humana é uma doença que deveria desaparecer para salvar o planeta”. Defendeu a fé: “Há uma teofobia horrenda e gritante na nossa cultura, não só no Brasil, em todo o mundo. Um ódio contra Deus que vem sabe-se lá de onde, canalizado por todos os códigos de pensamento e de não pensamento que perfazem a agenda global”.
Um parágrafo sobre Ricardo Vélez Rodríguez. Ele anunciou a criação de uma subsecretária para cuidar de “iniciativas cívico-militares”. Explicou: “Vai haver uma subsecretaria que cuida disso, de iniciativas cívico-militares para colégios municipais que queiram participar (…) Os colégios militares no Brasil representam um modelo que dá certo, que tem disciplina, que tem bom desempenho nos índices de avaliação. Então, esse modelo de colégios cívico-militares é bom”. Discursos que impactaram. Marcas de um novo estilo. A bolsa de valores explodiu o próprio teto.
E a fala da ministra Damares sobre menino de azul e menina de rosa?
Diz ela que foi uma metáfora.
Fora da meta.JM