sexta-feira, fevereiro 01, 2019

Antígona, Toffoli e Lula


      Ainda é tempo de falar disso. Morreu Vavá, irmão mais velho de Lula.
A relação deles era forte. Vavá tinha algo de figura paterna para Lula. O ex-presidente, preso em Curitiba, manifestou desejo de ir ao enterro. A lei permite. O vice-presidente da República, general Mourão, considerou o atendimento dessa vontade uma questão humanitária. A justiça, porém, não deixou. Alegou-se até que poderia haver fuga. Talvez acontecesse um ataque ao comboio e Lula fosse resgatado. Ou saísse correndo do velório sem ser alcançado. Veloz.
A ditadura militar permitiu que Lula, prisioneiro político, fosse ao enterro da mãe. Sófocles escreveu uma tragédia monumental: “Antígona”. Quando Polinices e Etéocles morrem em luta um contra outro, Creonte, que herda o trono de Tebas, ordena que o corpo de Polinices fique sem sepultura. Antígona decide desobedecer para enterrar o irmão. Lei divina contra lei terrena. Dignidade e humanidade contra abuso de legalidade. Vale lembrar que Polinices e Etéocles haviam feito acordo para governar em rodízio. Etéocles não quis passar o bastão. Polinices uniu-se aos rivais de Tebas para tentar recuperar o trono. Traído, traiu. Mesmo assim, o costume, a lei humanitária divina, garantia-lhe direito a uma sepultura.
Os advogados de Lula recorreram ao STF.
O ministro Dias Toffoli, sempre acusado de ser petista, inventou uma solução inédita: Lula poderia ver o corpo do irmão num recinto militar em São Paulo. O jurista Lênio Streck definiu bem a situação: Toffoli autorizou o cadáver a ir até Lula. Creonte teria aplaudido Toffoli, que se esforça a cada situação para provar que não é petista? Dificilmente. Creonte era a lei. Toffoli é um caso para uma análise freudiana. Fomos de Sófocles a Gabriel García Márquez, da tragédia ao realismo fantástico, do irrealismo ao surrealismo. A decisão de Toffoli chegou tarde. O morto já havia sido enterrado.
Antipetistas destilaram ódio.
Lembraram que o então presidente Lula não fora ao enterro de dois meios-irmãos. É fato. Não havia o mesmo vínculo afetivo com esses irmãos por parte de um pai que Lula passou a maior parte da vida sem ver e que teve mais de 20 filhos.
Lula parece condenado à invisibilidade. A sua ida ao enterro geraria imagens que correriam o mundo. O general Mourão, como destacou Lênio Streck, captou o efeito Antígona, o aspecto humanitário que se impõe diante da morte. Mesmo ao adversário se deve dar sepultura. Mesmo ao condenado se deve garantir o direito de chorar seus mortos. A lei foi feita para assegurar esse “direito natural” e sagrado.
Desse macabro episódio duas figuras saem com dimensões alteradas. O general Mourão sai maior. O ministro Toffoli sai ainda menor. Mourão repercutiu Antígona. Toffoli comportou-se como um Creonte querendo negociar. Mourão vem crescendo tanto que já sofre críticas do clã Bolsonaro. O general tenta colaborar com bons fatos para a própria biografia. Toffoli luta desesperadamente para ser uma nota de rodapé. Terá certamente direito a algo assim: chegou por rodízio à presidência do STF. Em 2015, 175.325 condenados saíram das suas prisões para chorar os seus mortos.
Lula não é tratado como preso comum.
É um troféu que a justiça esconde. JMS

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