O colapso do Haiti, que já era o país mais miserável da região, é considerado pelas diplomacias dos EUA e do Brasil como o evento da década nas Américas. À primeira impressão, o Haiti acabou. Mas, como não pode simplesmente acabar, virou fator de confluência internacional. A união não é mais em torno de guerras, mas da solidariedade. Para os EUA, uma chance única de aproximar sua imagem à de Obama, amenizando o ranço de potência que invade, domina e mata e assumindo a ação que agrega e salva. Para o Brasil, mais um degrau na busca de uma liderança regional. Os EUA comandam o Haiti e foi por delegação deles que o Brasil assumiu a chefia da Minustah, a missão de paz da ONU. Com o caos, os dois tentam acertar níveis de convivência e de comando, o que não é fácil num momento assim. Há de ciumeira a cotovelada até para definir o controle do aeroporto. Mas é dessa estreia no Haiti que depende uma parceria estratégia EUA-Brasil para a América Latina e para além dela -na África, por exemplo, onde já têm programas comuns contra a Aids, um dos principais flagelos no continente. Mais fundamental do que definir o horizonte diplomático, porém, é agir. Milhares de pessoas morreram, 70% dos prédios desabaram, os corpos estão jogados ao tempo. E não há perspectiva. Nem governo, projeto, infraestrutura, hospitais, médicos. Aliás, nem remédios, comida e água. Saques e epidemias são inevitáveis. Os EUA doam US$ 100 milhões, o Brasil, US$ 15 milhões, nossa Gisele Bundchen, US$ 1,5 milhão. Somados governos, empresas e astros, isso vai à casa dos bilhões. Mas para quem gerir? E para o quê? Enterrar os mortos, salvar os vivos e construir o país? Como? Foi preciso a desgraça total para o mundo olhar e acordar para o Haiti. A dúvida é se não foi tarde demais, e o desafio dos EUA e do Brasil é mostrar que não. Se puderem.Eliane Cantanhede, Folha de SP.
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