Professor universitário de literatura na África do Sul dos anos 90, pós apartheid, sofre processo porque se envolveu com uma aluna de 20 anos que, pressionada pelos pais e pelo namorado, o denuncia por assédio sexual. É criada uma comissão de inquérito na qual fica decidido que, para continuar lecionando lá ele deve fazer um pedido de desculpas oficial. Mas ele se recusa a cumprir o que a comissão manda e diz que seu ato foi movido por paixão e desejo, além do mais, não se arrepende. Essa história faz parte do livro Desonra, do escritor sul africano John Maxwell Coetzee, prêmio Nobel de Literatura em 2003.A negativa do professor sul-africano faz com que ele seja demitido da faculdade. Então ele viaja até a costa leste, onde mora a filha dele, e passa a trabalhar com a terra numa pequena propriedade. Mas aos poucos a realidade da África Negra começa a vir a tona, sobretudo depois que a fazenda da filha é assaltada por três negros que depredam tudo. Saqueiam. Roubam. Ateiam fogo no corpo do pai e estupram a filha do professor.Ainda assim ela não quer sair do local, pois tem uma relação visceral com aquelas terras a ponto de aceitar casar com um ajudante da fazenda, que já é casado e tem duas esposas, para desse modo conseguir reconstruir o local, já que ele possui parte da propriedade.Para a especialista Deisy Ventura, é importante destacar nesse livro que ele não cai em dicotomias fáceis, e é difícil até definir se o romance é ou não pós apartheid. “Não acho que ele seja pessimista, o personagem não consegue superar o lugar no qual a sociedade o colocou, num país onde a língua importa pouco e deixou de ser instrumento de diálogo, pois não dá mais conta de resolver os problemas do local.” Isso é ainda pior se pensarmos se tratar de um professor de literatura.Daisy comenta que o livro faz menção a uma questão anterior ao apartheid. O conflito entre os holandeses e os ingleses em relação ao Cabo da Boa Esperança, descoberto pelos portugueses, ocupado pelos holandeses e posteriormente, pelos ingleses, numa guerra cruel onde supõe-se que tenham sido inventados os campos de concentração.A outra especialista convidada, Rejane Pivetta, observa que o professor se sente fora do lugar por ser holandês e por estar numa situação onde o departamento de línguas clássicas foi desativado. “O romance mostra que essa intenção comunicativa da linguagem falhou, tanto em relação à África, quanto em relação com as mulheres a sua volta”.Segundo Rejane, o livro mostra uma perda gradativa do sentido humano da linguagem, como protocolo formal que não resolve as feridas profundas da sociedade e a dicotomia entre a civilização e a barbárie.Em se tratando de comparar a obra com o Direito, Deisy observa que o professor sofre o processo e não se defende e sua filha é estuprada e tampouco procura a punição dos culpados. “Isso de alguma forma mostra que as leis não dão conta dos problemas da sociedade”. Segundo a professora, nem a lei nem a linguagem conseguem cicatrizar as feridas da África do Sul.Do ponto de vista histórico, Deisy lembra que África do Sul adotou o nosso modelo e tenta fazer acreditar que vai funcionar. No entanto, organizar a sociedade juridicamente é uma situação formal, sem pensar em qual é o lugar do outro, sobretudo num modelo que se aplica a uma sociedade branca, colonizadora, civilizada. “O universo africano opera segundo outra lógica, um trabalho de tradução precisa ser feito”.Outra característica da obra, é que o livro espanca qualquer maniqueísmo, mostrando as mazelas e o politicamente incorreto de cada lado.
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