sábado, janeiro 07, 2012

Desonra, livro de John Maxwell Coetzee. Eu indico!


Professor universitário de literatura na África do Sul dos anos 90, pós apartheid, sofre processo porque se envolveu com uma aluna de 20 anos que, pressionada pelos pais e pelo namorado, o denuncia por assédio sexual. É criada uma comissão de inquérito na qual fica decidido que, para continuar lecionando lá ele deve fazer um pedido de desculpas oficial. Mas ele se recusa a cumprir o que a comissão manda e diz que seu ato foi movido por paixão e desejo, além do mais, não se arrepende. Essa história faz parte do livro Desonra, do escritor sul africano John Maxwell Coetzee, prêmio Nobel de Literatura em 2003.A negativa do professor sul-africano faz com que ele seja demitido da faculdade. Então ele viaja até a costa leste, onde mora a filha dele, e passa a trabalhar com a terra numa pequena propriedade. Mas aos poucos a realidade da África Negra começa a vir a tona, sobretudo depois que a fazenda da filha é assaltada por três negros que depredam tudo. Saqueiam. Roubam. Ateiam fogo no corpo do pai e estupram a filha do professor.Ainda assim ela não quer sair do local, pois tem uma relação visceral com aquelas terras a ponto de aceitar casar com um ajudante da fazenda, que já é casado e tem duas esposas, para desse modo conseguir reconstruir o local, já que ele possui parte da propriedade.Para a especialista Deisy Ventura, é importante destacar nesse livro que ele não cai em dicotomias fáceis, e é difícil até definir se o romance é ou não pós apartheid. “Não acho que ele seja pessimista, o personagem não consegue superar o lugar no qual a sociedade o colocou, num país onde a língua importa pouco e deixou de ser instrumento de diálogo, pois não dá mais conta de resolver os problemas do local.” Isso é ainda pior se pensarmos se tratar de um professor de literatura.Daisy comenta que o livro faz menção a uma questão anterior ao apartheid. O conflito entre os holandeses e os ingleses em relação ao Cabo da Boa Esperança, descoberto pelos portugueses, ocupado pelos holandeses e posteriormente, pelos ingleses, numa guerra cruel onde supõe-se que tenham sido inventados os campos de concentração.A outra especialista convidada, Rejane Pivetta, observa que o professor se sente fora do lugar por ser holandês e por estar numa situação onde o departamento de línguas clássicas foi desativado. “O romance mostra que essa intenção comunicativa da linguagem falhou, tanto em relação à África, quanto em relação com as mulheres a sua volta”.Segundo Rejane, o livro mostra uma perda gradativa do sentido humano da linguagem, como protocolo formal que não resolve as feridas profundas da sociedade e a dicotomia entre a civilização e a barbárie.Em se tratando de comparar a obra com o Direito, Deisy observa que o professor sofre o processo e não se defende e sua filha é estuprada e tampouco procura a punição dos culpados. “Isso de alguma forma mostra que as leis não dão conta dos problemas da sociedade”. Segundo a professora, nem a lei nem a linguagem conseguem cicatrizar as feridas da África do Sul.Do ponto de vista histórico, Deisy lembra que África do Sul adotou o nosso modelo e tenta fazer acreditar que vai funcionar. No entanto, organizar a sociedade juridicamente é uma situação formal, sem pensar em qual é o lugar do outro, sobretudo num modelo que se aplica a uma sociedade branca, colonizadora, civilizada. “O universo africano opera segundo outra lógica, um trabalho de tradução precisa ser feito”.Outra característica da obra, é que o livro espanca qualquer maniqueísmo, mostrando as mazelas e o politicamente incorreto de cada lado.

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