Se a lei é uma só e deve ser igual para todos, tema do filme que estão rodando em Curitiba, como explicar decisões tão díspares e mesmo antagônicas do Supremo Tribunal Federal em confronto aberto com o Ministério Público Federal?
Um juiz manda prender, outro manda soltar, o terceiro manda prender de novo _ e todos baseiam suas decisões nas mesmas leis. Como entender isso?
"Direito não é ciência exata, não é matemática, depende da interpretação de cada juiz", tentou me explicar um amigo advogado.
Sim, mas a se levar às últimas consequências este argumento então para que servem códigos e constituições?
Como agora cada um pode impor a sua própria lei nas diferentes instâncias da Justiça, a depender do réu e suas circunstâncias, o cidadão comum fica sem saber o que é certo e o que é errado.
Ganha quem gritar mais alto nas redes sociais e nos microfones dos plenários, tribunais e canais midiáticos, ou seja, impera a lei do mais forte.
Esta sensação de vale-tudo jurídico chegou ao auge na terça-feira com a decisão de mandar soltar o ex-ministro José Dirceu, preso desde agosto de 2015, e já condenado a 32 anos em dois processos, mas ainda não julgado em segunda instância.
Poucas horas antes do julgamento do pedido de habeas-corpus de Dirceu na 2ª Turma do STF, procuradores da Lava Jato em Curitiba apresentaram uma terceira denúncia contra o réu para justificar novo pedido de prisão, caso a decisão lhe fosse favorável.
Em Brasília, o ministro Gilmar Mendes reagiu logo na chegada ao tribunal: "É o rabo abanando o cachorro. Se eles imaginam que vão constranger o Supremo, o Supremo deixava de ser Supremo".
Por três votos a dois, o STF decidiu a favor de José Dirceu e a Lava Jato sofria sua quarta derrota em uma semana.
As prisões preventivas transformadas em permanentes, com condenações apenas em primeira instância, foram o principal argumento utilizado pelos ministros do STF para libertar José Dirceu e outros réus da Lava Jato.
Começava uma virulenta batalha verbal entre STF e MPF, com o tom subindo a cada nova declaração, nas praças conflagradas de Brasília e Curitiba.
"O que está acontecendo é a destruição lenta de uma investigação séria. Infelizmente, acreditam que a população não está mais atenta, talvez anestesiada pela extensão da corrupção. Esperamos que o período dele fora da prisão seja curto", reagiu o procurador Carlos Fernando Lima, um dos coordenadores da força-tarefa da Lava Jato.
Gilmar Mendes logo saiu em defesa do STF, lembrando que se trata da última instância do Judiciário:
"Creio que hoje o Tribunal está dando uma lição ao Brasil. Há pessoas que têm compreensão equivocada do seu papel. Não cabe a procurador da República pressionar, como não cabe a ninguém pressionar o Supremo Tribunal Federal, seja pela forma que quiser. É preciso respeitar as linhas básicas do Estado de Direito. Quando nós quebramos isso, nós estamos semeando o embrião do viés autoritário".
Em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, principal porta-voz da força-tarefa, viu ameaças à continuidade da Operação Lava Jato:
"A liberdade de José Dirceu representa um grave risco à sociedade, tanto em razão da gravidade concreta dos crimes praticados, como em razão da reiteração dos crimes e ainda em função da influência que ele tem no sistema político-partidário".
Com a judicialização da política e a partidarização do Judiciário e do Ministério Público, que vai ficando cada vez mais evidente neste embate que dura faz três anos, as divergências já descambam para o lado pessoal, como mostrou Gilmar Mendes ao dar seu voto a favor da libertação de José Dirceu:
"São jovens que não têm a experiência institucional e a vivência institucional, e por isso fazem esse tipo de brincadeira. Se cedêssemos a este tipo de pressão, deixaríamos de ser supremos".
Resta saber agora o que vai acontecer com outros réus presos, que ainda não fizeram delações premiadas, como Antonio Palocci, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, também aguardando o julgamento dos seus pedidos de habeas-corpus.
Afinal, qual é a lei que está valendo?
Vida que segue. RK
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