Parte do Partido Socialista Brasileiro quer entrar no DEM, bastião do liberalismo, oriundo da Arena, pilar da ditadura, tudo para apoiar o governo do PMDB de Temer, que chegou ao poder por um atalho combatendo a corrupção na qual agora é acusado de chafurdar. Paulo Skaff, presidente da Fiesp, já foi do PSB. Socialismo de direita, capitalismo de esquerda. O Brasil é o país da originalidade e da cosmovisão.
Um olhar desmesurado.
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Patinhos amarelos
Era um mantra. Durante mais de seis meses, ao longo de 2017, ouvimos diariamente o refrão: a reforma trabalhista deve ser feita para criar empregos. Políticos enchiam a boca para dizer que só a reforma funcionaria contra os mais de 14 milhões de desempregados. No Jornal Nacional, da Rede Globo, volta e meia aparecia um especialista, o professor José Pastore, para assegurar que o caminho contra o desemprego era a reforma da legislação trabalhista anacrônica, que o Jornal da Band, comemorando a vitória, associaria ao fascismo. Foi uma lavagem cerebral implacável. Reforma trabalhista igual a empregos.
Bastou a reforma ser aprovada para que a narrativa mudasse automaticamente num passe de mágica capaz de chocar qualquer incauto como eu. Uma guinada. Pastore apareceu no mesmo Jornal Nacional dizendo que não se esperasse uma criação imediata de empregos. Se isso acontecer, será dentro de alguns anos. Naércio Menezes Filho, professor do Insper, uma instituição que se especializou em fornecer entrevistados para a mídia capazes de figurar como referência de um campo, detonou: “Não houve debate com a sociedade, foi tudo muito rápido e agora terá uma MP para corrigir o que está errado. É importante frisar que não é isso que provocará a queda do desemprego”.
Em setembro de 2016, em artigo para o jornal O Estado de S. Paulo, José Pastore era puro entusiasmo: “Com 12 milhões de brasileiros desempregados e com a persistência entre os empregadores do medo de empregar, decorrente da complexidade e desatualização da CLT, o presidente do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, não teve dúvidas em dizer no Seminário sobre a Modernização das Relações do Trabalho (Estadão, 21/9) que o Brasil tem pressa e que os ajustes nas leis trabalhistas são urgentes e viáveis no momento atual”. Em maio deste ano, pessimista por causa da suposta força das “corporações”, adversárias da tão necessária “modernização” da CLT, Postore previa que a reforma “demorará até oito anos para pegar’. Aprovada a reforma o discurso ficou subitamente muito mais cauteloso.
Políticos ecoaram na mesma hora a nova retórica especializada. O refrão agora é este: que ninguém espere uma queda brusca nas taxas do desemprego por causa da aprovação da reforma da legislação trabalhista. Até a jornalista de economia Miriam Leitão, chamada pelos petistas de “urubóloga” por sua obsessão pelo pior, tirou o pé do acelerador: “Os objetivos das alterações eram aumentar a geração de empregos e regularizar o trabalho em áreas sem formalização. Mas o governo não levou pontos importantes em consideração”. O que houve?
Michel Temer persiste: “Quem deitar os olhos sobre a reforma trabalhista vai verificar que estamos fazendo uma coisa para combater o desemprego. As pessoas não estão preocupadas com conteúdo. A luta é política. Em brevíssimo tempo o desemprego, que já está caindo, cairá muito mais e o governo terá reconhecimento”. O desembargador Wilson Fernandes, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, não crê: “Ela tem sido vendida com a ideia de que vai combater o desemprego. Isto, segundo minha avaliação, é um equívoco muito grande”. É incrível como tudo pode mudar de um dia para outro. Uau!
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Nossas estrelas
Cada um consome o que consegue digerir. É simples assim. Eu nunca duvidei do óbvio: as pessoas gostam daquilo que conseguem entender. Amam o que podem discutir ou comentar de igual para igual. Há grupos que se divertem participando de confrarias especializadas com direito a expressões em latim ou no jargão da categoria. A população em geral vive de coisas mais universais. Basta acessar qualquer portal de internet para constatar: metade do conteúdo em destaque é sobre celebridades. A fofoca une a humanidade em torno do que nos faz seres comuns. Em 13 dias, Gretchen, catapultada à condição de estrela internacional, esteve em 11 programas de televisão de grande audiência. Ela brilha como “rainha do bumbum”. Em nossa democrática sociedade do espetáculo o bumbum vive na linha de frente.
Gretchen estraçalha. É um dos nossos orgulhos. Ainda mais agora que se tornou amiga de Katy Perry. Já Simone, da dupla sertaneja Simone e Maraísa, brilhou em dois programas globais, inclusive no do intelectual Pedro Bial, filosofando sobre o sofrimento de “dar a roda”. Primeiro ela pediu a uma especialista informações técnicas para facilitar o procedimento. Depois, na segunda instância, definiu com sabedoria e grande senso de ponderação: “Quem quiser dar a roda, tranquilo, faça o que quiser. Sofrimento desgraçado. Não existe técnica”. Foi bastante instrutivo, transgressor e filosófico. Na linguagem do momento, Simone “quebrou a internet” com a sua ousadia.
É para poucos. Outra que quebrou a internet com muito estilo foi a atriz Cléo Pires, filha de Glória e do eterno brega meloso Fábio Júnior. Ela admitiu já ter feito sexo a três. Criticada, botou os pingos nos is com desenvoltura. No seu twitter, ela cravou em bom internetês: “N sei pq o espanto. Qm faz a polêmica são vcs puritanos e hipócritas. Ñ fui a 1a e única a transar c/2 caras. Me poupm. Vão arranjar uma vida”. Eis uma declaração que faz pensar. Cruzando premissas e conclusão entendo que se ela estiver certa quem não teve a sua experiência antropológica está em grande déficit existencial.
A democratização cultural atinge o cinema. Tomemos um exemplo: o filme belga “Perdidos em Paris”. É a história de uma canadense do fim do mundo gelado que vai a Paris procurar sua velha tia. Dificilmente se conseguirá produzir um pastelão mais ridículo. É uma comédia tão sem graça que dá vontade de rir. Todo mundo entende. E tem Paris, a torre Eiffel e outros cartões postais da capital francesa. Agora é assim: ou se chafurda no gosto gratuito pela perversidade de “Neve negra”, por fidelidade ao ator argentino Ricardo Darin, ou se passeia no vazio de uma comédia que faz do exagero a sua alavanca. A direção parte de um princípio certeiro: as pessoas querem diferença e fantasia. A prova disso é o sucesso de bruxos, lobisomens e vampiros.
Falando nisso, Harry Potter faz 20 anos de sucesso, de obsessão e de quase hegemonia do mercado. Nunca Paulo Coelho teve um auxiliar tão eficaz. O jovem leitor de Potter é o adulto admirador do Mago.JM
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