segunda-feira, março 12, 2018

Alegrias naturais!


 É incrível como as pessoas provocam em nós reações espontâneas. Algumas, mesmo que gostemos delas, acionam em nós um mecanismo automático de defesa. É como se nos disséssemos silenciosamente: atenção, perigo. Tememos, apesar de uma boa relação, um elogio torto, uma pegadinha, uma observação ácida demais, um comentário que ficará nos torturando por horas, dias, meses ou até anos. Outras pessoas não nos despertam nada. Chegam e partem sem produzir qualquer reação. Nós também funcionamos assim para os outros. Noto que alguns nem percebem a minha passagem. Sou invisível para eles. Outros, movimentam o corpo numa atitude de proteção. Normal. Bom mesmo é quando uma pessoa nos causa uma alegria natural. A simples vista da pessoa nos desarma.
Eu sentia uma alegria natural ao ver um amigo, infelizmente já falecido, chamado Décio Freitas. Brigamos muitas vezes. Isso jamais afetou a alegria espontânea que eu sentia ao vê-lo. Décio era um homem de teses. Jamais saía de casa sem uma boa tese para defender durante alguns minutos ou algumas horas. Podia defender uma ideia num dia e contrário em outro, sempre com o mesmo brilho e com uma boa justificativa. Não se contradizia. Evoluía. Era um deleite jantar com ele. Aprendia-se muito. Às vezes, ela estava implicante. Nunca ficava, porém, qualquer magoa duradoura das conversas. Um grande “causeur”. Está moda falar em “causar”. Nada de novo para os franceses. O “causeur” é bom de conversa, fala, faz falar e produz muita falação. Conversar faz bem à saúde. Sem moderação.
Meu mestre Michel Maffesoli é assim. Sempre gentil, afetuoso, atento ao que está ouvindo, preciso nas observações que faz. Michel anda sempre de gravata borboleta. Por trás desse aspecto formal está um homem de peito aberto, firme nas suas convicções, mas sensível ao diálogo. Aprendi com ele o respeito radical à diferença. Conheço poucas pessoas tão antenadas para o diverso quanto ele. Pega no ar. Cada vez me convenço mais de que Michel Maffesoli é o grande pensador da nossa época. Traduz o vivido com palavras que colam como tatuagem. Sabe que precisamos pertencer a alguma coisa.
Vou fazer uma confissão. Vez ou outra, precisamos abrir o coração em público. Telmo Flor, diretor de redação do Correio do Povo, meu amigo de faculdade, dos tempos do Mazza, bar na Bento Gonçalves onde mudávamos o mundo sem saber que estávamos mudando era o nosso pequeno mundo, e das viagens de T1 até a Assis Brasil, tempo suficiente para duas ou três revoluções totais, me provoca essa alegria espontânea até hoje. É ver o Telmo e minha mente se ilumina. Parece dizer “lá vem um cara do bem, a conversa vai ser boa”. Sempre é. Admiro a sagacidade e a inteligência do Telmo. Sabe tirar de cada um o melhor que cada um pode dar. Cultiva a tolerância sem se gabar.
Por que estou falando isso? Sei lá. Estava parado, olhando o Bom Fim pela janela e me vieram essas constatações. Vi a silhueta de um velho amigo na rua e pensei: “Estamos na luta”. Quantos já partiram? Outro dia, foi o Nico Noronha, ótimo jornalista, gente boa, meu colega quando eu entrei no jornalismo. Deixei a janela. Quando vi, já tinha escrito. Precisa motivo para dizer que a gente gosta de alguém? Não.JM

Nenhum comentário: