sexta-feira, março 23, 2018

Mulheres e caminhos


Quatro mulheres, quatro caminhos

      Marielle Franco, Marília Vieira, Débora Seabra e Carmen Lúcia, quatro mulheres, quatro universos, quatro destinos, quatro Brasis. O que as aproxima e separa? O que nos faz pensar em todas elas?
Terá a desembargadora Marília de Castro Neves Vieira sentido inveja de Marielle Franco? Cariocas, as duas ficaram conhecidas internacionalmente quase ao mesmo tempo. Marielle foi assassinada covardamente. Marília tentou assassinar a reputação da vereadora morta. Negra, favelada, militante de esquerda, lésbica, Marielle vem sendo elogiada por coronéis ex-comandantes da Polícia Militar do Rio de Janeiro pelo seu trabalho de ajuda às famílias de policiais mortos em atividade.
Magistrada, integrante do topo da pirâmide social, rica, branca, esnobe, Marília despejou o seu precipitado reacionarismo em rede social obtendo imediatamente o pior tipo de fama, a fama da infâmia: “A questão é que a tal Marielle não era apenas uma ‘lutadora’; ela estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores. Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum quanto qualquer outro”. Tudo falso. Fakenews para trabalho de conclusão de curso em ciências sociais.
A memória de Marielle não para de ser honrada. A toga de Marília não para de ser desonrada.
Depois dos seus 15 minutos de fama infame ela atacou outra vez produzindo novas vítimas com o seu julgamento preconceituoso e tão letal quanto uma bala perdida: “Voltando para a casa e, porque vivemos em uma democracia, no rádio a única opção é a Voz do Brasil… Well, eis que senão quando, ouço que o Brasil é o primeiro em algumas coisas!!! Apuro os ouvidos e ouço a pérola: o Brasil é o primeiro país a ter uma professora portadora de síndrome de down!!!. Poxa, pensei, legal, são os programas de inclusão social…Aí me perguntei: o que será que essa professora ensina a quem??? Esperem um momento que eu fui ali me matar e já volto, tá?” A primeira reação de qualquer um diante desse despautério não é elegante. Algo do tipo “não se preocupe em voltar”.
Elegante e precisa foi a resposta da professora Débora Seabra à desembargadora. “Não quero bater boca com você! Só quero dizer que tenho síndrome de Down e sou professora auxiliar de crianças em uma escola de Natal (RN) (…) Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisa mais (…) O que eu acho mais importante de tudo isso é ensinar a incluir as crianças e todo mundo para acabar com o preconceito porque é crime. Quem discrimina é criminoso”. Será que a desembargadora aprende?
Três mulheres, três destinos, três posturas, três universos. A vida de Marielle vai virar filme. A sua morte revelou uma mulher em luta contra a violência. A resposta de Débora faz emergir uma mulher combatendo o preconceito. Os comentários de Marília trazem à tona o que sempre esteve na superfície de parte da elite brasileira: arrogância, estupidez, ignorância, insensibilidade. A desembargadora garantiu seu lugar como nota de rodapé na história de Marielle e Débora. Vilã, sumirá na poeira do tempo, salvo se continuar a postar sua visão de mundo na internet. Aí talvez acabe na cadeia. Engano. Seria aposentada com direito ao salário. Perderia os auxílios moradia e alimentação.
Mas há uma quarta mulher, Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal. Será que ela vai permitir que o STF volte a cumprir a Constituição no que se refere à presunção de inocência?
Está nas mãos dela dar aos seus colegas a oportunidade de retificar um erro de direito que cometeram em 2016 ao desrespeitar o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Carmen Lúcia terá a coragem de Marielle, a transparência de Débora, a indiferença de Marília, um caminho próprio ou a fraqueza dos cedem às pressões da mídia e do clamor popular ideológico, aquele que despreza o texto legal em nome das suas conveniências e paixões políticas e morais?
Um dia, talvez tenhamos a resposta!JM

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