sábado, outubro 21, 2017

Nada será como antes!



      Fiquei sabendo das novidades: não haverá mais emprego com carteira assinada. Nem emprego. Só empreendedorismo. O trabalho e o ensino presencial vão acabar. Tudo será feito a distância. O sistema de aposentadorias públicas será extinto. Cada um poupará para quando ficar velho e quiser ou tiver de parar. O casamento com papel assinado só sobreviverá como ritual. Viagens de trabalho perderão o sentido. Tudo será virtual. As viagens turísticas não serão afetadas por uma questão de rentabilidade e de culto ao deslocamento sem fins utilitários. Carros não terão motoristas. O prazer de dirigir será substituído integralmente pelo de falar ao celular durante o trajeto. Na falta de com quem interagir, robôs cumprirão também essa tarefa.
As notícias factuais serão escritas por robôs jornalistas, que não entrarão em sindicatos nem terão data-base salarial. O smartphone sugerirá a cada segundo o que fazermos. Nada será deixado ao acaso. Todas as nossas reações são monitoradas permitindo que nos sejam indicadas soluções para problemas que ainda nem detectamos ou vimos.
– Prepare o seu Rivotril.
– Por quê?
– Sua ansiedade está vindo.
– Algo mais?
– Sim. Você terá um resfriado dentro de 72 horas.
Ficaremos enfim livres de tudo o que nos assoberba. Mas não haverá drama quanto ao que fazer do tempo livre. Tudo está previsto. Séries preencherão cada minuto de nossas existências liberadas das corveias do trabalho e da utilidade. Chegaremos aos 120 anos nas próximas décadas em condições de consumir. Nosso cartão de crédito será administrado por um algoritmo. Teremos mais tempo para ser preenchido por nossas máquinas domésticas atenciosas e precisas. Nada do que estou dizendo é novidade ou ficção científica. Resolvi apenas sintetizar as coisas. Não precisaremos mais digitar. Caminhar será opcional ou por recomendação médica. Cada gesto nosso será controlado e passível de punição mesmo se praticado no banheiro de nossa casa.
Avançaremos em organização. Viveremos, como no jargão do futebol, uma existência apoiada. Aplicativos infalíveis nos indicarão como decorar a sala, arrumar a cama, escrever um romance capaz de ser premiado, escolher o prato do jantar com amigos, mandar flores para a amada ou amado, fazer uma poesia para estimular o cérebro, pintar um quadro para ter uma experiência espiritual e decidir em quem votar. Humanos serão dispensados da tarefa de ensinar. No pós-construtivismo tecnológico integral, cada um aprenderá com ajuda de dispositivos inteligentes na hora que quiser, puder, precisar ou sentir prazer. As relações sexuais também serão assistidas por computador para melhorar o desempenho, auxiliar em caso de fracasso ou indicar novas posições.
Estou com medo de tanta liberdade, tanta autonomia, tanta independência. Ainda deverei viver minha transição para o novo modelo existencial. Parece que já existe um aplicativo de orientação. O entubamento começa mais cedo. Nunca mais estaremos sozinhos. Cada um agora tem a companhia permanente de uma máquina para chamar de sua.JM

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