Sempre admirei os corajosos. Não aqueles que têm coragem para o confronto físico, ainda que em alguns casos também, mas especialmente os que ousam enfrentar os poderosos de qualquer tipo ou tamanho. O poder assusta, oprime e silencia. Sempre admirei os corajosos, detentores da coragem que eu tive em algum momento e fui perdendo acossado por meus fantasmas, inseguranças e cabelos brancos. Jovem adulto, fiquei fascinado com um verso de Vinicius de Moraes que falava de “coragem para comprometer-se sem necessidade”. Sempre admirei os que são capazes de comprometer-se contra a “necessidade”.
Sempre admirei os professores, esses heróis do cotidiano cujas lutas diárias aparentemente tão próximas e familiares são desconhecidas da maioria. Ser professor é lidar com dezenas de universos a cada sala de aula. Cada um desses universos é uma ilha de sonhos, imaginários, problemas, desejos, aflições, faltas, excessos, carências, explosões, incontinências, necessidades e expectativas. Cada professor precisa exercer a cada momento uma multiplicidade de papéis: intelectual, mestre, pai, mãe, psicólogo, conselheiro, enfermeiro, consultor, amigo, autoridade, guia, assistente social. Quem acha que ser professor é apenas ensinar conteúdo passa atestado de ignorância. Eu adoraria ver certos jornalistas e burocratas passando 25 anos em sala de aula. Seriam moídos em dois meses.
Um velho jornalista, que virou grande professor, contou que depois de duas horas na sua estreia em sala de aula foi ao diretor da instituição e pediu demissão. Diante do espantado chefe, disse:
– Já esgotei todo o meu conhecimento.
Lecionar é preparar, ministrar, atualizar-se, estudar constantemente, corrigir e sempre recomeçar. Falo disso por ter ficado sabendo, conversando com professores nas imediações do Mercado Público, de uma diretora destemida que teve coragem de responder altivamente aos poderosos da Secretaria de Educação de Porto Alegre. Telefonaram-lhe pedindo que informasse os nomes dos professores em greve na sua escola para que o ponto deles fosse cortado. Ela não atendeu. Mandou dizer que estava recebendo pais. Era verdade. Telefonaram novamente. A diretora não se intimidou. Soltou o verbo.
– Durante oito meses ninguém me telefonou para saber como eu estava fazendo para dar conta de tudo com três professores a menos e com tantas carências. Se vocês querem cortar pagamento, consultem o ponto eletrônico que nos foi imposto. Não contem comigo para fazer delação.
Sempre admirei os que não se dobram. Colocar nas costas dos professores os problemas das más gestões municipais e a incapacidade de fazer os mais aquinhoados contribuírem com mais para o bolo social é uma maldade calculada. Parabéns, diretora, cujo nome deve ser preservado para evitar represálias, pela dignidade. Dedico-lhe estes versos do Poetinha: “Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto/Esse eterno levantar-se depois de cada queda/Essa busca de equilíbrio no fio da navalha/Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo/Infantil de ter pequenas coragens”. Grande.JM
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