Para encerrar: era uma vez um país que não queria se enxergar apesar de todos os espelhos que lhe eram oferecidos. Esse país se chama obviamente Brasil. A última lente que lhe foi apresentada tem um nome sugestivo: “A distância que nos une, um retrato das desigualdades brasileiras”. É um produto da Oxfam, entidade internacional que escancara os fossos mundiais entre ricos e pobres. O Brasil é um dos países onde menos se paga imposto sobre heranças. Para não deixar dúvidas nem angústias: “Em São Paulo, a alíquota do imposto sobre herança é de 4%. No Reino Unido, ela alcança 40%”. Comunistas? Não.
Pragmáticos. Nós é que somos originais: “A posse de jatos, helicópteros, iates e lanchas não incorre no pagamento de nenhum tributo por seus proprietários, enquanto os veículos terrestres requerem pagamento do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA)”. Deve fazer sentido, não? Mas qual? Mistério. O agronegócio também recebe seus presentinhos: “A despeito do País ter uma porção de terra cultivada de cerca de 300 milhões de hectares, 35% de todo o território nacional, o valor arrecadado com o Imposto Territorial Rural (ITR) representa menos de 0,06% do total arrecadado pelo Estado Brasileiro”. O calote ainda em torno de R$ 30 bilhões. Detalhe para reflexão matutina: “Apenas 9% dos estabelecimentos acessam 70% de todos os recursos públicos destinados à produção agropecuária”. O bolo não é para todos. Há estômagos bem maiores.
Outro capítulo comovente é da sonegação de impostos: R$ 275 bilhões em 2016. Ao que se soma a generosidade das renúncias fiscais: R$ 271 bilhões no ano passado. Total perdido: R$ 546 bilhões. Só tem um jeito de cobrir esse rombo: reformando a Previdência para tirar “privilégios” de quem ganha até R$ 5 mil e fazer trabalhar mais esses jovens nordestinos de 60 anos bem vividos. Quantos truques existem para se driblar a receita federal? Tem um chamado de “juros sobre capital próprio”, criado também na era FHC, em 1995. A empresa pega dinheiro emprestado com seus sócios e acionistas e paga-lhes juros antes da declaração anual ao fisco. Claro que desconta esse pagamento da base de cálculo dos impostos. É uma finta. Drible de bolso. E lá se vão mais uns R$ 60 bilhões por ano. Chegamos aos R$ 600 bilhões.
Resta encontrar outros gastos para chicotear. A culpa é do INSS, das políticas sociais exageradas, do assistencialismo e dos “privilégios” das aposentadorias fáceis, caras e precoces. Tudo isso é reflexo de história de exclusão e desigualdades reproduzidas secularmente. Fica o recado geral da Oxfam para este país que se compraz na opacidade, no parasitismo e no preconceito: “Não só há discriminação negativa contra negros e mulheres dentro das mesmas faixas educacionais, mas também com as mesmas profissionais. Negros e mulheres estão concentrados em carreiras com menor remuneração, e tendem a ganhar menos que os brancos e homens mesmo nessas carreiras. Um médico negro ganha, em média, 88% do que ganha um médico branco”.
Como disse Caetano Veloso, o problema do Brasil não é homem pelado em exposição de museu, mas a desigualdade social. Obscena.JM
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