quarta-feira, abril 20, 2011

Educação: o grande movimento abolicionista de hoje, segundo Gilberto Dimenstein

Você já declarou que a abolição foi incompleta e a luta pela educação é o mais urgente abolicionismo. O Brasil evoluiu nessa área? Uma das falhas do processo abolicionista, dentre várias, é que não se pensou numa educação para todos, em educação pública na época. Tinha uma educação para ricos, uma parte complementar feita em Portugal. Outras nações da América Latina, como a Argentina, o Uruguai e o Chile, já tinham uma visão de educação. Os Estados Unidos tinham universidade há muito tempo. Não se tinha uma ideia de inclusão. Se esse conceito é novo hoje, imagine naquele tempo. A gente chega ao século 21 com um problema de educação sério. Você vê isso pelo número de meninos e meninas que não sabem escrever, nem entender um texto, que não conseguem ter conhecimentos básicos em matemática e ciência. E isso forma um circulo vicioso. Não tem boa educação, não vai ter um bom emprego, não vai conseguir dar uma boa educação para os filhos e não consegue pressionar mais pela educação. É daí que eu acho que a educação é o grande movimento abolicionista contemporâneo. É ela que garante a autonomia das pessoas, não existe forma mais grave de escravidão que a da ignorância. E quanto mais vulnerável é o grupo - e os negros têm uma vulnerabilidade histórica - mais essa questão se torna vital. Por que a educação no Brasil só fica no discurso e pouco se avança?Tem uma série de questões. Não fazia parte da elite a educação pública, que se virava nas escolas privadas. Na universidade, quem ia era a elite, que fazia sem pagar. Eu nunca vi isso! Rico vai à universidade sem pagar, quando poderia virar mais bolsa de estudo. Então não era preocupação, os ricos colocavam os filhos em escolas privadas, em universidades públicas ou então iam estudar fora. Simultaneamente, as lideranças dos trabalhadores, que deveriam ser as mais interessadas, não tocavam nesse assunto. Quantos líderes sindicais falam em qualidade de ensino? É mais fácil ver um líder empresarial falando. Aqui é um país corporativo, então, cada um cuida do seu pedaço. E os governos não colocaram como uma bandeira. O Brasil ficou muito tempo defendendo o crescimento econômico, ou outros grupos falavam de um socialismo para gerar igualdade, riquezas. A educação não foi um tópico que agarrou as elites intelectuais. Isso é uma coisa recente no país, faz uns 15 anos que se começou a ter essa visão. E para completar, quando você vê a preocupação das camadas mais pobres, a educação está em último lugar. Mesmo quando a coisa melhorou um pouco, acham que pelo menos temos merenda, um uniforme e o garoto não está na rua. Você criou um círculo vicioso. A população não demanda, os políticos não se mexem, por isso que eu digo que é um movimento complexo de abolicionismo, porque exige um trabalho tão profundo para que você consiga atrair os talentos para a escola pública. O que você acha da progressão continuada, adotada em São Paulo? Existe uma visão de que a educação tem que ser dura, que, se o garoto não aprende, tem que repetir o ano. Mas na essência está culpando a vítima. Não estou dizendo que não tem que repetir o ano, é mais complexo que isso. Os professores faltam em sala de aula, não são preparados, os laboratórios não funcionam, as bibliotecas são defasadas, boa parte dos alunos têm problemas básicos de saúde, muitos vêm de lares violentos, tem problemas psicossociais graves e a culpa é do aluno quando ele vai mal? Se um em cem vai mal, tudo bem, mas quando 30 ou 40% vão mal, não pode ser culpa do aluno. Ao mesmo tempo, há poucas avaliações periódicas e pouca opção de complementação escolar para quem vai mal. O que acontece em um lugar civilizado é avaliação periódica do aluno, você vai consertando as dificuldades que ele tem ao longo do período e tem muitas possibilidades de inclusão para o aluno prosperar. Vá a alguma escola rica e faça com que o garoto não tenha direito de ir ao dentista durante um ano, fique com cárie, ou que ele não troque os óculos, não trate o ouvido... Acha que ele vai ser um bom aluno? A escola não é para punir as pessoas, é para que elas se encantem pelo processo de aprendizagem. A educação é isso. Para a pessoa levar para o resto da vida. Se repete, o que acontece com o garoto? Ele vai para a rua e desenvolve uma baixa autoestima. Aí ele não aprende mesmo. A progressão continuada desse jeito não deve servir de modelo para o Brasil. O que deve acontecer é progressão continuada com recuperação continuada e um atendimento ao aluno na parte cultural e de saúde. Alexandre de Maio.

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