sexta-feira, março 11, 2011

Barbero, um defensor da TV latino-americana

A Unila contou, na última semana, com a presença do pesquisador Jesús Martin-Barbero, que veio a Foz do Iguaçu fundar a Cátedra Carlos Quijano de Comunicação, Democracia e Cidadania. Durante os três dias de atividades, Barbero abordou vários assuntos, que foram de direitos humanos a política latino-americana. Apesar de hoje o pesquisador transitar por várias áreas do conhecimento, foi na Comunicação que o espanhol radicado na Colômbia, que se considera apenas latino-americano, ganhou destaque. Seu livro mais conhecido, Dos meios às mediações: Comunicação, Cultura e Hegemonia, foi traduzido para 12 idiomas e é um dos únicos livros de Comunicação da América Latina traduzidos na França, um país que, segundo o próprio Barbero, resiste a editar publicações vindas de outros países. Filósofo e comunicólogo, Jesús Martín-Barbero focou suas pesquisas nas relações entre cultura e comunicação e fez da América Latina um laboratório para formular suas teorias. Seus objetos de estudo foram, principalmente, produtos de massa regionais que são rejeitados pela grande maioria dos intelectuais e pesquisadores de comunicação. O maior exemplo são as telenovelas, que Barbero pesquisou durante mais de dez anos. “Quando comecei a escrever sobre as telenovelas eu era um filósofo, com pós-graduação em Psicologia e Semiótica. Meus colegas pesquisadores e professores não entendiam por que eu perdia meu tempo com o que eles chamavam de 'a cultura da miséria'”, disse Jesús Martín-Barbero.


O momento poético dos excluídos



Em entrevista para a Assessoria de Imprensa da Unila, Barbero contou que a ideia de começar a pesquisar as telenovelas surgiu após ler uma crônica sobre como era a típica semana das famílias que vieram do interior da Colômbia para trabalhar em olarias na periferia de Bogotá. Nas sextas-feiras essas famílias tinham a única refeição completa da semana. Eles se reuniam em pequenos restaurantes para jantar na mesma hora em que era transmitida uma das mais famosas novelas mexicana, Os ricos também choram. “Eu me dei conta de que, para os pobres, o momento mais dignamente humano da sua semana era comer uma boa comida, acompanhados por um capítulo da novela. Para os pobres, os que menos contam culturalmente, aquele era seu momento poético. Algo de seus modos de sonhar passam pela sua relação com a telenovela”, destaca. A ideia que começou com a leitura de uma crônica terminou com a tese intitulada Usos sociais das telenovelas na América Latina, que analisa o texto semiótico e ideológico dos roteiros mas, principalmente, se aprofunda na relação do público com a novela. Para isso, Barbero instituiu como metodologia assistir às novelas junto com famílias e pessoas comuns, para ver como interagiam com as histórias, personagens e dramas. Uma das conclusões do comunicólogo é que os expectadores têm mais prazer em contar que em assistir a cada capítulo.“A melhor coisa que pode acontecer a alguém que acompanha as novelas é que, no dia seguinte, alguém pergunte o que aconteceu no capítulo anterior. Se começa falando sobre a novela e, 10 minutos depois, já se está contando sobre a própria vida. Então, a telenovela é um pretexto para falar sobre a vida cotidiana”, relatou Barbero, que em seu trabalho incluiu a receptividade das novelas na Colômbia, Peru, Argentina, Chile, México e Brasil.



Produto de exportação



Apesar de ser um fenômeno que teve sua origem na América Latina, a febre das telenovelas também se alastrou pelo resto do mundo. Conforme Jesús Martín-Barbero, depois dos romances, as telenovelas são os únicos produtos culturais que a Região exportou para o mundo. “São dimensões da vida e da sociedade latino-americana que chegam ao público de outros continentes”, salienta. Em 1985, por exemplo, a novela brasileira A Escrava Isaura foi considerada por jornalistas poloneses a obra cultural mais importante do ano. E esse reconhecimento não é apenas com as produções brasileiras. Em São Petesburgo, na Rússia, foi erguida uma estátua em homenagem à atriz mexicana Veronica Castro, protagonista de Os ricos também choram. “Isso sem contar os remakes. Betty A Feia, que foi um grande sucesso mundial, já foi refilmada nos Estados Unidos e até na Índia”, completa.



Um meio contraditório



Jesús Martín-Barbero defende que a televisão, principalmente por meio das telenovelas, permitiu a legitimação da entrada da oralidade latino-americana na mídia, que já havia começado de forma mais tímida com o cinema e o rádio. A TV é vista por ele como uma ferramenta que permite expressar as dinâmicas culturais populares como nunca antes. Porém, ao mesmo tempo, ele admite que a televisão é um veículo de comunicação contraditório que, com fórmulas cada vez mais rígidas, está destruindo a capacidade de experimentação de quem trabalha por trás das câmeras. Em mãos dos grupos econômicos mais ricos da América Latina, as emissoras de TV têm menos espaço para a identidade de cada país. Salvo em algumas poucas exceções, não há mais espaço para a reportagem séria e interpretativa, que ajude na compreensão dos fatos do dia a dia. E o pior é que está nas mãos desses grupos a tarefa de fazer a notícia diária para as pessoas que não sabem ler e que não têm acesso a outros meios de comunicação para contrapor o que passa pela televisão. Essa visão, das duas faces da televisão, é o que falta, conforme a opinião de Barbero, para a maioria dos intelectuais latino-americanos.“Falta a eles poder ver a maneira como a TV se implica com a vida cotidiana das pessoas. Mas para isso é necessário romper com uma certa soberba, que faz com que acreditemos que sabemos o que as pessoas pensam e sentem. Os intelectuais não querem levar a sério o que o povo gosta. Porque é muito fácil dizer que o povo não tem gosto e, se por acaso tem, é mau gosto”, explicou.



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