terça-feira, maio 03, 2011

Cartas de Buenos Aires: a feijoada argentina

De todas as formas possíveis de conhecer a história e a identidade de um povo, nenhuma é tão saborosa quanto a que recorre os pratos e as receitas que sobreviveram ao tempo.NaArgentina o trajeto dos costumes alimentares pode ser rastreado em duas vertentes: a primeira é a dos "hombres de cuchillo", oriundos do sul, mais propensos a carnes assadas, a facas. É o lado mais conhecido da gastronomia local.A segunda é a dos "hombres de cuchara", povos do norte, que usavam a colher para servir-se de cozidos como carbonadas, pucheros, mazamorras e do prato do qual vou falar hoje, o locro.O locro é uma das iguarias mais antigas do país, típica de inverno (e hoje a sensação térmica em Buenos Aires é de 3 graus!!). É uma espécie de feijoada argentina, feita de várias verduras, legumes e carnes. Sua base é uma variedade de milho branco e abóbora.Dizem que nasceu entre os Quéchuas, no alto Peru, atual Bolívia, e que era inicialmente vegetariano. Com a chegada dos conquistadores, sua receita original foi modificada com a adição de carnes e lingüiças, e de um molho (quiquirimichi) que se prepara com gordura derretida, pimentão, páprica picante e cebolinha, ingredientes da comida espanhola.O locro é servido especialmente este mês, mês da pátria, no Dia do Trabalhador e no 25 de maio (Dia da Revolução de Maio), mas também no 9 de Julho (Dia da Independência). É uma forma de celebrar o encontro da gastronomia crioula com a trazida pelos imigrantes.A iguaria entrou na Argentina pela região noroeste e se expandiu por todo o território, adotando características particulares em cada região. Em Neuquén, por exemplo, se prepara com ervilhas, no nordeste e zonas vizinhas, como o Paraguai, com mandioca.A única coisa que não varia é sua base vegetal e a forma de cozimento, a fogo lento durante varias horas.No inicio, era comida de “gente pobre”. O milho usado era o branco, mais barato que o amarelo, e as carnes de vaca eram aquelas menos apreciadas, que não prestavam para ser comercializadas pelo dono do gado ou fazendeiro. Também se mesclava ao cozido patas, rabo, orelhas e pele de porco. Depois, como a feijoada, foi se sofisticando.Mas é bom ter cuidado. Em algumas regiões ainda leva mondongo e tripa grossa, por exemplo.Se algum leitor estiver pela Argentina este mês e der de cara com uma plaquinha “Hoy, locro”, não vacile. Deixe de lado a dieta e prove essa comida que vem carregada de história. Sugestão de sobremesa, queijo de cabra e mel de canha.Depois é só correr para a siesta!
Deixo a receita AQUI.
http://www.lanacion.com.ar/nota.asp?nota_id=908911

Gisele Teixeira é jornalista. Trabalhou em Porto Alegre, Recife e Brasília. Recentemente, mudou-se de mala, cuia e coração para Buenos Aires, de onde mantém o blog Aquí me quedo, com impressões e descobrimentos sobre a capital portenha

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