Cem anos depois de seu nascimento, o pensador canadense Marshall McLuhan — inspirador do título do jornal Meio & Mensagem — permanece atual, controverso e incompreendido, como sempre.Luhan, um dos maiores pensadores do século XX, nasceu em 21 de julho, no Canadá. Em 1965, quando Marshal McLuhan começava a ganhar popularidade para além das fronteiras do Canadá — em Nova York, por exemplo, já se falava nele, das grandes corporações aos circuitos de cultura underground —, o renomado jornalista Tom Wolfe escreveu um perfil para o New York Herald Tribune. “Supondo-se que ele seja o que parece, o pensador mais importante desde Newton, Darwin, Freud, Einstein, e Pavlov”, escreveu Wolfe, para, logo depois, perguntar: “What if he’s right?” (“E se ele estiver certo?”). Era o que todos pensavam, aliás. Se por trás dos aforismos e frases de efeito, das contradições, dos livros experimentais, da vocação para a polêmica e do apelo popular de Marshall McLuhan, houvesse algo verdadeiramente consistente? Um século de seu nascimento, a euforia das comemorações, os lançamentos internacionais e a releitura de sua obra parecem resgatar o legado de um pensador e pesquisador que, embora não tenha sido compreendido pelo seu tempo, tem sido aclamado como um visionário que antecipou as respostas para as quais ainda não havia perguntas.Para comemorar os cem anos de nascimento de Marshal McLuhan, o Meio & Mensagem convida professores, escritores, cientistas e editores a refletir sobre a atualidade do pensamento de McLuhan e a importância que existe por trás de máximas como “o meio é a mensagem” e expressões como “aldeia global”, ainda hoje. Um dos maiores conhecedores da vida e dos trabalhos de Marshall McLuhan, o escritor e pesquisador W. Terrence Gordon — autor da mais completa biografia dele, Marshall McLuhan: Escape into Understanding — explica que nem sempre as ideias do estudioso foram compreendidas com exatidão. E que, a bem da verdade, esse não parecia ser um problema real para McLuhan. “Os pares de McLuhan, intelectuais da sua época, até podiam ter inveja da popularidade que ele tinha conquistado, embora poucos se atrevessem a ser abertamente hostis”, relata Gordon, sugerindo que parte da indisposição contra McLuhan pode ser explicada pelo caráter pop de sua obra.Por outro lado, o biógrafo conta que McLuhan tinha uma estratégia infalível para desarmar seus críticos. “Você não gosta dessas ideias?”, perguntava aos detratores, “Ok, tenho outras”, respondia ele mesmo. “Embora alguns contemporâneos não concordassem com ele”, explica Terrence Gordon, “não foi apenas por inveja ou por princípios intelectuais, mas também por mal-entendidos”, completa o professor da Universidade Dalhousie, em Halifax, no Canadá.“McLuhan era muito talentoso com as palavras e seu talento para a retórica o fez se destacar em ambas as extremidades do espectro: dos seus entusiasmados seguidores aos que negavam sua importância. Ele era um poeta-sociólogo, algo que, normalmente, não encontramos”, aponta Mo Cohen, editor da Gingko Press, a quem o espólio de McLuhan transferiu a responsabilidade de negociar sua obra ao redor do mundo.Para Cohen, a velocidade das mudanças que o mundo das comunicações enfrenta, somada à transformação que os novos suportes e linguagens trazem aos consumidores de conteúdo, é um grande sinal de que McLuhan estava certo, há 50 anos, quando defendeu que os meios seriam “extensões do homem”.“Geralmente, estamos hoje mais conscientes de que cada tecnologia cria um ambiente novo, algo geralmente despercebido”, explica. “Ele nos ensinou como identificar esses novos ambientes, examinando os seus efeitos. Devemos estudar os efeitos colaterais da mídia para perceber o atual ambiente”. Cohen não é o único que defende a atualidade da obra de McLuhan. Fábio Gandour, cientista-chefe da IBM Brasil, ressalta que ele era “um homem à frente de seu tempo” e aponta, como grande característica intelectual do pensador canadense, a capacidade de perceber aquilo que acontecia ao redor dele. “Eu não diria que McLuhan era um profeta, mas um observador arguto do ambiente que o cercava”, diz Gandour, que exemplifica: em 1960, quando o transistor passou a compor os aparelhos de consumo de massa, McLuhan tinha 49 anos. “Ele já tinha percebido que todo seu entorno iria passar por um processo de miniaturização. Esse mesmo conceito poderia se aplicar, depois, à televisão e a todos os outros engenhos que viabilizariam a existência de novos meios”, explica. Nos anos 1970, é bom lembrar, Marshall McLuhan foi convidado pela IBM — na qual hoje trabalha Fábio Gandour, depois de quatro décadas — para discutir o futuro das comunicações. O que faz McLuhan um pensador tão singular? “Acredito que a mistura bem orientada de desconforto intelectual, conhecimento obtido por meio de estudos e um grande senso de observação foram os elementos que permitiram McLuhan concluir o que ele concluiu”, avalia.“Tudo o que ele falou relacionado à massa tende a ter uma força enorme, até hoje”, avalia Gandour. “O que interessa para o mercado de propaganda, para os anunciantes, para os produtores de bens de consumo, atualmente? O comportamento da massa. E, nesse sentido, é bom voltar na estante, tirar a poeira dos livros e voltar a ler Marshall McLuhan”, decreta Fábio Gandour.
Novas fronteirasVinícius Pereira, coordenador do ESPM Media Lab e professor da pós-graduação em comunicação da UERJ, entende que McLuhan percebeu, antes de seus contemporâneos, sobretudo da área da comunicação, que as mudanças tecnológicas alterariam também a dinâmica do consumo de conteúdos e entretenimento. “Ele começa a valorizar a forma e os aspectos materiais da comunicação, elementos que outros não tinham percebido ainda”, afirma Pereira. Daí a mais famosa frase de McLuhan, “o meio é a mensagem”, o mais repetido aforismo e o menos compreendido de todos.Para Pereira, McLuhan não estava abrindo mão do conteúdo, mas criando um campo de novas possibilidades de reflexão sobre os impactos da tecnologia na vida das pessoas. De acordo com ele, há muitas interpretações possíveis para a mais conhecida máxima mcluhaniana, mas duas merecem destaque: “Ele está falando que toda tecnologia se torna um ambiente, ou seja, transforma-se em um ordenador social e cultural e, além disso, essas tecnologias vêm afetar nossos corpos e mentes. A emergência de uma nova tecnologia é uma reprogramação sensorial, elas forjam as formas de ver o mundo, representar as coisas e perceber a nossa própria vida”, discrimina o professor.Mo Cohen vai mais longe. Para ele, a relação entre meio e mensagem é cada vez mais clara e percebida de forma ampla. “Temos visto novas evidências deste conceito”, afirma Cohen, “é uma ideia que o tempo confirmou”, completa. Para o editor global das obras de McLuhan, “enquanto o mundo prosseguir em novas etapas de inovação tecnológica, sempre haverá a necessidade de utilizar McLuhan como um ponto de referência. Isso será verdade daqui a 200 anos, porque enfrentamos a mesma dor e desorientação sempre que o corpo está estendido ou amputado por novas fontes”, afirma, fazendo valer o conceito de McLuhan para quem cada nova mídia ou tecnologia amplia nossos corpos ao mesmo tempo que reduz suas possibilidades. Um carro nos levou mais longe; nossas pernas, contudo, ficaram mais preguiçosas, por exemplo. “Mídia é muito mais que um meio para carrear mensagens”, diz Pereira.
Santo ou demônio? McLuhan, no entanto, não é um consenso. As críticas ao seu pensamento vêm das mais variadas direções e com os mais distintos argumentos: faltava-lhe coerência e metodologia, ele nunca foi crítico o suficiente aos efeitos dos meios de comunicação, sua obra era alienada e contraditória, seus livros, confusos. Mas os detratores não conseguiram impedir o entusiasmo como McLuhan foi percebido pelas novas gerações de profissionais que alcançaram o mercado de trabalho ou a universidade na era digital. Não à toa, a revista Wired o considerou o seu padroeiro, nos primeiros anos de circulação, reservando-lhe um espaço de honra no quadro dos colaboradores da revista, ainda que, claro, ele já estivesse morto.O professor José Marques de Melo, decano dos pesquisadores de comunicação no país, com mais de 50 anos de atuação, lembra-se bem da chegada da obra de McLuhan ao País. A primeira referência, ainda tímida, foi em um livro de Gilberto Freyre, O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX, publicado em 1961. Pouco depois, o conhecido sociólogo se encontraria com McLuhan em Paris. "Aldeia global" foi uma das expressões de McLuhan que se popularizaram a partir da sua obra. Pesquisadores em Recife já discutiam o então desconhecido autor, quando a primeira tradução foi lançada, em 1968. “Depois McLuhan se torna o prato do dia. Todo mundo falava dele, bem ou mal. Havia um frenesi”, lembra-se. “A academia o achava espetaculoso demais. Ele não cumpria os padrões da universidade, com um pouco de recato, por exemplo. McLuhan foi um dos raros escritores de seu tempo que, ao morrer, mereceram capa de jornais”, destaca o professor. A popularidade de McLuhan era tão grande e a procura por suas palestras, tão intensa ao redor do mundo que foi impossível trazê-lo ao Brasil, apesar das tentativas. “O cachê era muito alto”, recorda.Afinal, quem era McLuhan? “McLuhan não foi compreendido. Ele foi muito combatido, muito louvado e pouco lido”, lamenta Marques de Melo. Vinícius Pereira concorda. “McLuhan era um autor tomado, na melhor das hipóteses, como apolítico e, em muitas vezes, como um autor de direita, midiático e anglo-saxão, que valorizava a cultura norte-americana. Isso é um aspecto importante para entender a resistência ao seu pensamento no Brasil”, avalia. Mo Cohen acrescenta mais um componente: “Há sempre inveja quando alguém se sobrepõe e ganha notoriedade, e, além disso, houve mal-entendidos quando novos paradigmas foram apresentados. Existe perigo entre aqueles que não o compreendem instintivamente e revidam e rejeitam o mensageiro, assim como também há perigo entre os que se tornam favoravelmente muito entusiasmados”, diz.
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