O “político como escândalo” é alguém que age para chocar as verdades estabelecidas pelo senso comum e transformar a realidade. O conceito foi apresentado pelo professor Daniel de Mendonça, da Universidade Federal de Pelotas, durante o Painel Multiculturalismo e os Limites da Inclusão, que abriu a 17ª Semana Jurídica da Universidade de Brasília.
A antropóloga Rita Segato, professora da cátedra de Bioética, acredita que o termo se aplica perfeitamente ao sistema de cotas na UnB, que existe desde 2004. “As cotas são um escândalo político porque mudaram a consciência nacional”, afirmou. O Painel também contou com a participação do professor Guilherme Scotti, da Faculdade de Direito, da filósofa chilena Ângela Boitano, da Universidad Diego Portales, e do reitor José Geraldo de Sousa Junior, também professor do Direito.
Daniel de Mendonça esclarece que o termo não tem nenhuma relação com os escândalos de corrupção que os brasileiros costumam a ver no noticiário. “Um escândalo verdadeiro não pode ser corriqueiro”, disse. “O político como escândalo é aquele que institui algo completamente novo, escandalosamente diferente”, disse.
Para Rita, o escândalo no caso das cotas se estabelece na ampliação do debate sobre o tema no país. Desde o início da discussão, em 1999, e a professora contou a quantidade de vezes que os termos raça, racismo ou racial apareceram em debates da Câmara dos Deputados. “Foram 98 menções naquele ano e 500 em 2011”, relatou Rita, que elaborou a proposta que deu origem ao sistema de cotas na UnB junto com o professor José Jorge de Carvalho, também antropólogo. “A luta pelas cotas tem uma dimensão política de agitação”.
“As cotas são uma questão de multiculturalismo”, afirmou o professor da Faculdade de Direito, Guilherme Scotti. O professor lembrou de debate promovido pelos alunos do Direito em que estiveram presentes o professor José Jorge e o sociólogo Demétrio Magnoli, um dos maiores adversários do sistema de cotas na UnB. “Ele se escandalizou com o fato da UnB ter um Centro de Convivência Negra, para ele isso era uma prova de que estávamos em uma Universidade racista”, recordou Guilherme. “Ora, muitos devem conhecer os diversos centros de convivência italiana, japonesa, alemã. Nunca ouvi ninguém dizer que eles são uma afronta a desigualdade e a liberdade”.
IGUALDADE - Para Guilherme, a luta por igualdade não pode servir de pretexto para anular as diferenças. “A inclusão pode ser homogeneizante”, afirmou. Guilherme defende que políticas como a das cotas e espaços como o do Centro de Convivência Negra são formas de combater essa homogeneização forçada. “São os primeiros passos para reconstruir uma identidade que foi perdida ao longo dos séculos. Evita que a inclusão se transforme em exclusão”.
O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, fez coro à fala dos professores durante a saudação inicial da Semana Jurídica, antes do debate. “O julgamento e aprovação da política de cotas no Supremo Tribunal Federal deve se transformar em um estudo obrigatório para as matérias dos estudantes de Direito da UnB”, afirmou. “O caso mostra como uma política surgida na Universidade e confrontada por visões conservadoras acabou se transformando em política nacional por recomendação do próprio Supremo”.
Para o reitor, o STF chegou a uma unanimidade rara, onde estiveram presentes um balanço completo das relações entre direito e sociedade. “Esse debate representa a possibilidade da formação de um estudante de Direito que não se reduza aos textos, e que na lide do curso não se fruste com o que virá da exigência profissional”, afirmou José Geraldo aos estudantes que lotaram o auditório do Memorial Darcy Ribeiro, onde o encontro ocorreu e vai até o sexta-feira.
O debate foi o primeiro da programação prevista para a Semana Jurídica. Amanhã estarão reunidos os professores da Faculdade de Direito Cristiano Paixão e Evandro Piza Duarte, e o diretor da Casa de Cultura da América Latina, Zulu Araújo, em torno do tema Direito, Violência e Estado Policial. “A questão central será como a herança autoritária do Brasil repercute na garantia de direitos e na própria efetivação da democracia”, explica Victor Reis, coordenador do Centro Acadêmico de Direito (CADir), que organiza o encontro.
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