Na última terça-feira (16), do alto da tribuna do Senado, José Sarney discursara: "Eu não sei o que é ato secreto. Aqui, ninguém sabe o que é ato secreto".Era lorota. Chefe do serviço de publicação do boletim de pessoal do Senado, Franklin Albuquerque Paes Landim, sabe muito bem o que é ato secreto.Para desassossego de Sarney, Franklin contou o que sabe aos repórteres Andreza Matais e Adriano Ceolin. O depoimento vai à fogueira como um jato de gasolina. Segundo Franklin, os atos administrativos secretos do Senado foram escondidos de propósito.Chegavam à sua mesa com um carimbo: “Publique-se”. Mas nem todos ganhavam a publicidade exigida pela Constituição.Franklin revelou que recebia ordens para esconder uma parte dos atos. A determinação partia de dois ex-diretores do Senado.Sim, exatamente, eles mesmos: Agaciel Maia, ex-diretor-geral, e João Carlos Zoghbi, ex-diretor de Recursos Humanos.Minucioso, Franklin relatou que as ordens de Agaciel chegavam pelo telefone. As de Zoghbi, que despachava no mesmo andar, eram dadas pessoalmente.Referindo-se especificamente a Agaciel, Franklin declarou: "Ele mandava guardar. Dizia: ‘Esse você não vai [publicar]. Você aguarda’”...“... Com esse aguarda, às vezes mandava publicar, às vezes não. Podia ser amanhã, podia ser depois." Franklin informou que alguns dos atos sigilosos do Senado permaneceram guardados durante "anos".A coisa funcionava assim: diante de uma ordem para esconder determinado ato, Franklin o levava a uma pasta. Dali só saíam mediante nova orientação.Quantos foram os atos secretos? No comando do setor de publicação há quatro anos, Franklin disse que nunca contou.Comissão formada pelo primeiro-secretário Heráclito Fortes (DEM-PI) faz a contagem. Já contabilizou 623. Começaram a ser editados em 1995.Nesse ano, eleito para a primeira de suas três presidências no Senado, Sarney nomeara Agaciel Maia para a direção-geral. O mandarinato de Agaciel durou 14 anos. Teria durado mais, não fosse pela revelação de que escondera a posse de uma mansão avaliada em R$ 5 milhões.Franklin decidiu quebrar o silêncio por receio de que a corda se rompa para o seu lado. "[...] Não vou pagar por isso. Eu vou dizer a verdade. Eu não temo nada".Ele disse que “nunca” recebeu ordem de nenhum senador para esconder esse ou aquele ato administrativo. Só de Agaciel e de Zoghbi.Em entrevista veiculada no último final de semana, Agaciel dissera que ninguém no Senado poderia alegar desconhecimento sobre a burocracia cladestina da Casa.O ex-superdiretor afirmara que “as decisões foram referendadas por um colegiado”, a Mesa diretora do Senado.Negara, porém, que o segredo fosse proposital: “O Senado publica por ano cerca de 60 mil atos e decisões administrativas. Pode acontecer alguma falha...”“...Se houve mesmo, uma comissão nomeada pelo senador Heráclito Fortes deverá apontá-la. Posso apenas assegurar que nenhum ato ilegal foi baixado”.Confrontado com as declarações do servidor Franklin, o lero-lero de Agaciel, repisado por Sarney no discurso de terça, ganha as feições de rematada mentira.A maioria dos atos clandestinos serviu para criar cargos, aumentar salários e contratar ou exonerar parentes e amigos de senadores e de servidores graduados.No discurso em que tentou saltar das labaredas, Sarney pontificara: "A crise do Senado não é minha. A crise é do Senado”.A frase, que já não parecia fazer sentido, virou pó. Noves fora o fato de ter nomeado e mantido Agaciel enquanto pôde, Sarney comparece à crônica secreta como beneficiário.Sabe-se, por ora, que pelo menos oito parentes do senador passearam pela folha de pagamento do Senado.Desse total, pelo menos quatro foram contratados e/ou exonerados por meio dos famigerados atos secretos. Resta a Sarney a defesa à moda Lula: “Eu não sabia”. Surge, então, a pergunta inevitável: Afora o presidente da República, quem se anima a acreditar?
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