quarta-feira, julho 04, 2012

Dom Moacyr e a cara da Igreja na Amazônia


Esta semana, de 2 a 6 de julho, a cidade de Santarém (PA) recebe os bispos dos regionais Norte 1, 2 e Noroeste da CNBB para o 10º Encontro da Igreja na Amazônia. O evento deve ser uma celebração e avaliação da caminhada da Igreja na região nos últimos 40 anos, inspirada pelo Documento de Santarém (1972).Na avaliação do bispo emérito de Porto Velho (RO), dom Moacyr Grecchi em entrevista ao Boletim da CNBB, 03-09-2012, o balanço que pode ser feito das últimas quatro décadas é positivo, inclusive pelos avanços na formação dos leigos, da pastoral indígena e da formação sociopolítica das comunidades. Entretanto, há antigos e novos desafios a serem enfrentados.

Eis a entrevista.

O senhor poderia explicar a conjuntura que levou ao Encontro dos bispos da Igreja na Amazônia, em 1972?


O Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João XXIII e completado por Paulo VI, foi uma sacudida do Espírito Santo em toda a Igreja Católica. Certamente, foi o fato mais notável nos últimos séculos na história da Igreja. Para proporcionar a encarnação dos documentos deste Concílio, o papa convocou a Conferência de Medellín, onde uma das marcas era a questão da libertação, a conjuntura da América Latina, a questão da justiça social. Em Medellin, foi debatida a liberdade cristã no verdadeiro sentido da palavra: espiritual, econômica, política, especialmente por conta das ditaduras militares que se vivia aqui em muitos países. Ali também se definiu o que é uma comunidade eclesial de base: é uma célula, a menor porção institucional do Povo de Deus, que é Igreja. É ali que o cristão, de fato, vive a fraternidade cristã, recebe os sacramentos, promove e partilha a comunhão, inspirado do exemplo das comunidades apostólicas.

Nesse meio tempo, sentia-se no Brasil que a Amazônia era algo muito distante. Talvez nem fosse considerada como parte da Igreja no Brasil. Talvez com exceção de Belém, que é uma sede antiga, São Luís do Maranhão, Manaus... Estes eram locais com alguma estrutura razoável, como paróquias, seminários, enfim. O restante, as prelazias e dioceses de hoje, foram entregues na época, numa intuição muito boa, para grupos de religiosos, para tentar criar a estrutura para a formação de dioceses. Uma coisa muito boa.
Quase em toda a cidade da Amazônia a Igreja chegava, além de sua presença institucional e evangelizadora, com a catequese, pastorais, movimentos, ela também chegava com escolas e hospitais.
Então, considerando o Concílio, as conclusões de Medellín e a situação da Amazônia, podemos delinear assim o contexto que inspirou o encontro dos bispos em Santarém. Eu não estava presente, apesar de já nomeado, mas conheci todos os bispos que lá estiveram. Foi de 24 a 30 de maio de 1972, exatamente quando eu fui nomeado prelado de Rio Branco, no Acre, que na época se chamava de Acre-Purus. Me recordo que o papa Paulo VI, num documento de incentivo a este encontro, disse uma fase que continua nos inspirando: “Cristo aponta para a Amazônia”. E ele continua apontando, e eu creio que nos últimos 20 anos a Igreja no Brasil descobriu a força da Amazônia. E hoje, as coisas já são bastante diferentes.

Quais foram as linhas prioritárias traçadas pelos bispos no Documento de Santarém, e que balanço o senhor faz dos frutos desta iniciativa e de seus frutos?

Antes de mais nada, é preciso dizer que foi a primeira vez que se usou esta expressão “prioridades pastorais”. Além das linhas prioritárias, nós temos duas posições ou faróis que iluminam estas linhas. Primeiro, a encarnação na realidade: nós precisávamos conhecer mais nossa realidade, valorizar mais o nosso povo, sentir de perto a sua cultura. Conheci bispos santos, que se eu fosse papa canonizava todos. Eram anciãos muito acolhedores, que viveram esta realidade da encarnação. O outro era a evangelização libertadora: mostrar que ser cristão não é ser acomodado. Estes dois luzeiros: a encarnação e a evangelização libertadora deviam iluminar as quatro prioridades.

Eu digo que este Documento de Santarém é a carteira de identidade da Igreja da Amazônia. Ele mostra como foi se conformando o nosso rosto, e como a Igreja foi tomando o rosto amazônida. A primeira prioridade: formação de agentes pastorais. Em todos os níveis: desde o coroinha, o catequista, até o bispo; dioceses que não tinham agente algum, em dois anos conseguiu formar quase mil leigos e leigas, dedicados à evangelização.

A segunda prioridade foi a formação das comunidades de base: comunidades menores, base de uma Igreja local, onde se pode viver melhor o espírito das comunidades primitivas e receber os sacramentos. Não houve uma explosão, mas em diversas dioceses houve um crescimento expressivo.

A terceira prioridade era a pastoral indigenista. Logo após a criação do Conselho Indigenista Missionário, os bispos assumiram o apoio à sua ação e a capacitação missionária para o trabalho junto aos povos indígenas.  A quarta prioridade foi o incentivo à participação nas frentes pioneiras, como as estradas.

Quais os principais desafios para a Igreja hoje na região?

Bom, hoje fala-se muito em urbanização na Amazônia. É muito estranho falar em urbanização quando nas cidades vemos pessoas vivendo em condições precárias, às vezes até sem latrina. O nome é outro: devia se chamar de marginalização de povos que tinham via mais sadia na mata, mas que em busca de uma vida melhor acabam indo para cidades como Manaus, onde não tem condições de oferecer vida digna. Agora, temos o desafio das drogas, já que estamos muito perto das fontes aqui. O acesso é muito fácil.

Há em alguns lugares boas iniciativas de realizar as Santas Missões. Continua o desafio da formação do clero: não se improvisam bons formadores. Em Rio Branco e Porto Velho consegui uma parceria com a Universidade de Campinas, que vinham dar aula em nossos seminários aqui. Precisamos de colaboração com a formação dos futuros padres. É algo que melhorou, mas temos muito ainda para avançar. Na formação de leigos, creio que todas as nossas Igrejas tem uma formação de qualidade, segundo as orientações da CNBB Nacional. Há formação até em nível superior. Temos muito a progredir, e precisamos de colaboração, inclusive econômica. O dízimo está implantado em todas as dioceses, e todas conseguem manter o básico. Mas os custos são altos: ainda é preciso buscar dinheiro fora. Vocês não tem ideia de como é caro manter os barcos para o transporte nos rios amazônicos, levando os missionários. A Igreja no Brasil e fora daqui também deve estar disponível para colaborar com esta realidade.

Na programação do 10º Encontro de Santarém, está prevista a coleta de sugestões para uma “Evangelização Encarnada, Missionária e Profética na Amazônia”. Qual a importância desta atitude para os agentes da Igreja na região?
Acho que evangelização encarnada já é um dos luzeiros de nossa ação nesta região. Não quero generalizar, mas especialmente os novos missionários devem estar atentos que aqui já existe uma caminhada feita, e que é preciso caminhar conosco. A pior praga que tem é um missionário que vem pra ensinar. Ele deve vir para aprender também, e assumir a Igreja daqui que tem muita coisa para ensinar. É preciso preparar e formar o missionário, de preferência aqui, para que ele valorize o que temos de bom.

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